Geralmente, me limito a escrever sobre cinema uma vez por semana para o blog da Dicta. Há algum tempo que preparei e guardei a resenha de Os Infratores para ser publicado na sexta-feira (12), dia de estreia do filme. Por motivos variados, não pude escrever sobre Busca Implacável 2 antes e, agora que finalmente assisti, quero falar sobre ele e também sobre Moonrise Kingdom, filme do Wes Anderson que estreia também nesta sexta.
Vamos falar sobre cinema 4D antes.
Sem nem mencionar pirataria, com a comodidade da tevê a cabo, do aparelho de dvd, bluray, serviços de filmes por demanda como Netflix, NetMovies, Now, etc., muita gente prefere investir em um bom home theater do que se locomover até um cinema onde, muito provavelmente, a pessoa mais inconveniente do universo vai se sentar logo atrás de você. Isso sem falar em filas, estacionamentos lotados, trânsito e tal. Por conta disso, os cinemas têm se preocupado em criar experiências diferentes para tirar o espectador de casa. O 3D, o IMAX, as salas vips com poltronas que reclinam e pipocas gourmet – e agora, o 4D – são tentativas de fazer a ida ao cinema valer a pena. Com ingresso por volta de setenta reais a inteira, o 4D oferece, em tese, uma experiência verdadeiramente imersiva. Na realidade, é o seguinte: as cadeiras se movem (e, às vezes, rangem, precisam de óleo) em cenas de perseguições de carros, lutas, etc.. Quando, por exemplo, um tiro passa de raspão pelo personagem, um jato de vento é disparado ao lado da cabeça. E quando, em alguma cena, espirram água, a cadeira da frente espirra água em você. Essa é a ideia.
O primeiro filme que fui ver na primeira e única sala 4D de São Paulo (localizada no shopping JK Iguatemi, lugar ridiculamente grã-fino, repleto de personagens) foi O Legado Bourne, com Jeremy Renner e Rachel Weisz. Não foi minha escolha. Meus pais queriam experimentar o cinema e calhou de ser esse mesmo. Deu tudo errado. O ar-condicionado quebrou, uma luz ficou piscando descontrolada por boa parte da sessão, os movimentos das cadeiras estavam fora de sincronia, um desastre. O filme em si é uma porcaria – é sobre um cara (Jeremy Renner) tentando tomar uma vacina. Ele toma a vacina. Aí acaba. Pelas falhas da sessão, ganhamos cortesias para assistir outro filme e fomos, então, assistir Busca Implacável 2.
Desta vez, deu tudo certo. O ar-condicionado funcionou, as cadeiras mexeram nos momentos certos, etc., etc.. No final das contas, o 4D é legal? Sim e não. Alguns efeitos são bobos e exagerados. É realmente necessário que eu sinta o carro passando por uma lombada em uma cena completamente banal? Em cenas de luta, você acaba perdendo o ponto fixo necessário para entender o impacto de cada chute, de cada soco. De tanto sacudir, você fica tão confuso quanto o personagem que é surrado. Mas o 4D é perfeito para perseguições de carro. Cada curva, cada batida é sentida como se realmente fizéssemos parte da cena. Em suma, depende muito do filme e da execução dos efeitos para ter uma experiência realmente bacana. Ainda não peguei nada em 3D na sala (tanto O Legado quanto Busca são 2D) e imagino que seja completamente diferente.
Agora, o filme. Tento nunca parecer muito entusiasmada com nada porque, em geral, desconfio muito do julgamento de pessoas empolgadas. Aqueles que são mais animados (e também mais felizes) tendem a dar mais vazão a tudo que houver de positivo em qualquer coisa e ignorar, conscientemente ou não, o que houver de negativo. É uma forma ótima de viver, muito saudável, mas não é a melhor forma de observar e criticar. É preciso manter um pouco de rabugice, de desprezo e de gastrite se quiser analisar com objetividade. Portanto, acreditem em mim quando digo que Busca Implacável 2 é muito, mas muito legal mesmo. Se você sequer gosta do primeiro, pare de ler, vá fazer outra coisa, não tenho absolutamente nada de útil a lhe dizer. Mas se você gosta de ação, de Liam Neeson e de Luc Besson, fique à vontade. Tire o sapato se quiser.
Há um defeitinho bobo no roteiro de Busca 2 – não é tanto um erro, mas um ato pequeno que é mal justificado. Se você e sua mulher fossem seqüestrados, assim que você conseguisse se libertar, você sairia de lá sem ela? Ok, ok, você precisa matar os seqüestradores todos, mas não podia manter ela por perto? Para que ela não fosse raptada outra vez? Deixando isso passar, é tudo muitíssimo bem construído e justificado. Na época do primeiro filme, tive uma discussão com um amigo que disse que a cena em que Neeson tortura o bandido com a corrente elétrica era exacerbada. Respondi, muito casualmente, que ele estava fazendo o que tinha de fazer para salvar a filha e dane-se o bandido. Pois bem. A premissa da seqüência é justamente a seguinte: depois de Bryan Mills (Neeson) ter matado dúzias para chegar até a filha, o pai de uma de suas vítimas não poderia fazer o mesmo com ele? Todos os homens que ele matou não eram apenas figurantes, eles tinham famílias e amigos que poderiam muito bem buscar reparação. E é isso o que acontece.
Há tanta coisa legal em ambos os filmes; a ideia de um herói muito mais velho, um agente aposentado, com uma personalidade muito específica, e que, por questões muitíssimo pessoais, volta a utilizar todas as habilidades adquiridas ao longo dos anos na ânsia de encontrar a filha raptada antes que perca o seu rastro. E, agora neste, a ideia de que toda ação tem de fato uma conseqüência e que a violência nem sempre repara, mas pode causar mais dano ainda. Filmes de ação não costumam ser tão preocupados com motivações e reflexões acerca das atitudes do herói – em geral, eles apenas fazem o que têm de fazer, têm sucesso e aí o filme acaba, como em O Legado Bourne – e é por isso que são raros os bons filmes do gênero.
Outro elemento interessantíssimo é que a seqüência convida quem não teria a mínima aptidão para se defender sozinha, que é a filha raptada no primeiro filme, a finalmente fazer algo por si própria e pelos pais seqüestrados. É ela quem, desta vez, localiza o pai e o ajuda a fugir. É ela quem, apesar de não ter carteira de motorista, dirige o carro de fuga em alta velocidade pelas ruas estreitas de Istambul. E isso tudo acontece de forma verossímil, nos dando a esperança de que, talvez, pudéssemos fazer o mesmo numa situação de perigo, de que nós também somos capazes.
Quem gostou de Drive vai adorar as referências ao filme. No elevador do hotel, Kim (a filha de Mills interpretada por Maggie Grace) ouve A Real Hero no ipod. Mais tarde, precisa aguardar exatos cinco minutos no volante de um carro enquanto o pai tenta resgatar a mãe, assim como o driver esperava pelos bandidos durante um roubo – e, nesta cena, Tick of the Clock, outra música de Drive. Em Busca Implacável 2, Kim está amadurecendo, se tornando mais corajosa, mais ativa e arriscando a si própria para salvar sua família. Sua jornada pessoal é, afinal, um tanto parecida com a do herói de Drive.
Tudo que acontece em escala menor na parte mais banal do filme, Kim arranjando um namorado e, já no final, tirando a carteira de motorista, se relaciona com os acontecimentos fantásticos de conseguir ajudar a salvar os pais e fugir de criminosos pelas ruas de Istambul. Tais acontecimentos são como a chegada da vida adulta: ser independente, ser responsável, saber se defender, etc.. Nesse processo, Mills tem de se acostumar com o fato de que agora pode confiar no julgamento de sua filha, que ela já pode tomar conta de si própria e até dele mesmo. Há um momento nas relações entre pai e filha em que o pai precisa aceitar que a filha já sabe o que está fazendo – e é um momento tão alegre quanto triste para o pai.
Enfim. Vejam Busca Implacável 2.
Agora, Moonrise Kingdom.
É difícil falar de Wes Anderson porque há aqueles que o amam e aqueles que o odeiam – em geral, ninguém troca de lado, ninguém muda de opinião, de forma que qualquer argumentação é praticamente inútil. Não espero convencer alguém que não gosta de Wes Anderson a assistir Moonrise Kingdom. É bem provável que você continue não gostando. Afinal, ele não faz nada de diferente. É a mesma direção de arte ultra detalhista e coordenada, a mesma história sobre crianças desorientadas e pais desajeitados, a mesma cena de pessoas andando em câmera lenta, os atores de sempre. Mas por que os filmes de Wes Anderson, apesar de oferecerem o mesmo, continuam fascinando? Por que Martin Scorsese chegou a eleger Wes Anderson como seu sucessor? Apesar de uma técnica realmente admirável, de um cuidado obsessivo com a composição de cada quadro, não é tanto o lado técnico de Anderson que provoca tanto fascínio entre aqueles que amam sua obra, mas a sua habilidade de retratar, com honestidade, certas emoções tão específicas, como a sensação de crescer e não ter se tornado aquilo que era o esperado, ou a angústia de ser um problema para os pais. Com suas variações, ele conta sempre a mesma história não porque busca um tema para explorá-lo ou conhecê-lo melhor, mas porque é o seu próprio tema. É como se Truffaut refizesse Os Incompreendidos de uma dúzia de formas diferentes – seria repetitivo, mas pessoal e, acima de tudo, verdadeiro.
Muitos tentam repetir a estética esquisitinha-fofa de Anderson e a grande maioria falha. Pelo simples motivo de que em Rushmore, Os Excêntricos Tenenbaums, Darjeeling Limited, etc., não há imitação e até as roupas mais ridículas são demonstrações sinceras dos personagens – eles usam o que eles amam e o que os define como realmente são. Em A Vida Marinha com Steve Zissou, Cate Blanchett interpreta a jornalista que acompanha a exploração e, quando escreve que acha o gorro vermelho de Steve (Bill Murray) “forçado”, ele a confronta, tira o gorro, humilhado e magoado. Há uma grande diferença entre usar o suéter da sua avó porque você gosta e usá-lo porque fica parecendo tão estranho e diferente. Uma coisa é usar uma peça de roupa estranha por afeição sincera e outra usá-la ironicamente.
Em Moonrise Kingdom, há o mesmo figurino improvável, com a desculpa, agora, de que o filme se passa na década de 60 (mas que poderia muito bem ser em tempos atuais). Aparentemente, a trama toda acontece no passado porque somos informados que, dentro de alguns dias, uma tempestade de proporções históricas vai atingir a ilha que os personagens habitam. Além disso, o filme pode parecer como uma história antiga de infância sendo rememorada, com todos os seus exageros poéticos, mas nenhuma mentira. É sobre uma menina e um menino que, por problemas familiares e sociais, decidem fugir juntos, colocando a ilha toda à procura deles. Quando a tempestade chega, que é como uma metáfora da conturbação toda da adolescência, é que esses problemas ficam mais urgentes e precisam finalmente ser resolvidos.
Não quero dar muito detalhes para não estragar algumas surpresas que, apesar de delicadas, fazem o filme. Excêntricos Tenenbaums, um dos melhores de Anderson (lado a lado com O Fantástico Sr. Raposo), teve inspiração na família Glass de J.D. Salinger (Franny and Zooey, Raise High the Roof Beam, Carpenters, Seymour: An Introduction, Hapworth 16, 1924 e A Perfect Day for Bananafish). Colocando a estética de lado e tratando de seus roteiros e também das interpretações dos atores, o diretor trabalha com as mesmas sutilezas do escritor de O Apanhador no Campo de Centeio. É preciso ter olho e gosto para detalhes e certos estados de humor que raramente são explicitados, e muito menos explicados.
Ontem chegamos ao cinema pra ver BI2 (gostei demais do primeiro) mas me deixei me levar por 2 estrelas (entre 5 possíveis) de um jornal nadavê (q já deu 5 pro muito duvidoso Habemus Papam e apenas 3 pra The Help (“se é euroupeu, é melhor”…). Pois então, fomos comer alguma coisa – acho q era isso, a fome, só pode ser – e deixamos BI2 pra outra hora. comemos e vimos então Os candidatos (dá pra rir, sem maiores constrangimentos; é assumidamente forçado).
Falando em humor, é disso q gosto no Wes Anderson. O meu preferido dele – gosto dos outros – é Darjeeling.
É verdade q já não me recordo mto desse último Bourne, mas não o achei fraco. Foge, sim, do nível da trilogia (que eu acho espetacular), mas ainda me parece acima da média, ou pelo menos ok.
Agora, Liam Neeson tá ficando especialista no gênero. Já viu A perseguição (the grey)?