Finalmente, alguém teve cojones para afirmar o que era o óbvio ululante: o de que o arquiteto Le Corbusier não passa de um falastrão com pretensões totalitárias. Oh, estão chocados com essa afirmação? Bem, quem tem de aguentar as penitenciárias chiques de Oscar Niemeyer – um dos mais famosos discípulos de Le Corbu – que o diga (inclua nessa categoria lato sensu a maravilhosa magalomania que se chama Brasília).
O responsável por tal “descoberta” (na verdade, Tom Wolfe já tinha feito as mesmas afirmações em From Bauhaus to Our House em 1981) foi o nosso Theodore Dalrlymple, que, em seu mais recente artigo para o City Journal, destrói, com penetrante senso de humor, essa lenda da falsificação arquitetônica em parágrafos como este:
Le Corbusier does not belong so much to the history of architecture as to that of totalitarianism, to the spiritual, intellectual, and moral deformity of the interbellum years in Europe. Clearly, he was not alone; he was both a creator and a symptom of the zeitgeist. His plans for Stockholm, after all, were in response to an official Swedish competition for ways to rebuild the beautiful old city, so such destruction was on the menu. It is a sign of the abiding strength of the totalitarian temptation, as the French philosopher Jean-François Revel called it, that Le Corbusier is still revered in architectural schools and elsewhere, rather than universally reviled.
(E aí vem a pergunta que não quer calar: alguém se aventura em ler o texto em vez de reclamar na caixa de comentários?)
Pelo menos dessa vez não foi só argumento ad hominem.
E, além disso, já teve um artigo pra revista tratando mais ou menos do assunto, ou estou enganado? (podia não ser diretamente sobre o Le Corbu, mas que cutucava ele, isso sim…)
Não gostei do artigo. Dizer que algo é feio e não dizer porque é feio não me diz muita coisa. Até acho que seja feio mesmo, não sempre. Mas tais questões valorativas carecem de serem aprounfadadas com argumentos, e sempre vejo uma iniciativa de ódio contra alguns símbolos… paciência.
Corbusier foi um dos grandes propagadores da mentalidade revolucionária, tão em voga na primeira quadra do século XX. Sua proposta de reengenharia social, por meio da arquitetura e do urbanismo, era – e ainda é – um disparate. Sobraram algumas soluções plásticas, essas sim, de inegável beleza.
Gonçalves
O Gustavo Corção, já nos anos 40/50, dizia o mesmo. E apresentava razões técnicas para não construir Brasília, no que errou: A aberração estética é pior.
Por coincidência, hoje no UOL saiu isso aqui:
http://estilo.uol.com.br/album/ruy_othake_livro_album.jhtm?abrefoto=1
Chamo a atenção em particular para a foto 3, que ilustra como a arquitetura moderna produz edifícios que destróem totalmente a harmonia com os edifícios antigos e tradicionais existentes nas vizinhanças; a foto 7, que dá um exemplo de como a arquitetura moderna chega a ser francamente risível em seu mau-gosto; e as fotos 9 e 10, que ilustram casas que não são feitas para a sociabilidade humana normal: os bancos põem as pessoas de costas umas para as outras em vez de aproximá-las e o desenho das janelas e paredes consagra a irregularidade assimétrica como padrão e norma da vida mental dos moradores.
Fileleno, quanto à imagem 3, eu concordo, mas o que diz sobre a foto 7, as fotos 9 e 10, desculpe, mas não compartilho. Imagino que já deve ter visto o Hotel Unique de perto, não? Ele da escala humana é bastante bonito, enquanto que essa foto apresenta uma visão não compartilhada por todos…
As fotos 9 e 10 também me parecem uma opção estética que pode ser pouco funcional a princípio, mas que não comprometem de forma alguma os pontos que você ressalta. Os bancos apresentados não necessariamente põe as pessoas de costas, e se para conversar teríamos que por bancos uns de frente para os outros, acredito que a área útil de passeio em nossas praças seria bastante reduzida, já que cada banco teria que ter um gêmeo em frente…
Enfim, acho que a demonização da arquitetura moderna está um pouco exagerada. Se dissessem que ela tem problemas, ok, mas que ela é o mal da humanidade…disconfio disso… E nenhum dos textos me convenceu disso da mesma maneira…
Le Corbusier era totalitário mesmo. Mas até nele devo reconhecer que vejo, ocasionalmente, uma beleza. Aquele jardim de concreto, ok, não é um jardim, mas não deixa de ter algo de belo (talvez seja só o efeito da foto; já estive em muitos outros “jardins” de concreto modernista e o sentimento foi de pura desolação).
E quem vai negar que a arquitetura da Paris Napoleônica também era totalitária? A Champs Elysée, as grandes avenidas abertas, o arco do triunfo, as grandes praças vazias com grandes monumentos; sinceramente nunca gostei muito deles, mas há muita gente que os considera o que há de mais bonito em Paris.
Quanto à arquitetura moderna, há muita coisa de que gosto e que é, sem dúvida, muito superior às imitações de gótico, imitação de Tudor, imitação de neoclássico, imitação de colonial que se vê por aí.
Há beleza na arquitetura moderna; casas de sonhos. (a foto 9 do link do Fileleno, por exemplo, não desgosto).
Mas sim: o hotel melancia do Ruy Othake é meio bizarro.
Caro Martim e demais comentaristas,
primeiramente, vale a pena, sim, ler o artigo do City Journal.
Principalmente, por se tratar de texto escrito por um “não-arquiteto”. Daí, já creio, haver mérito e glória indiscutíveis.’
Concordo com Joel Pinheiro, é incauto fazer tábula rasa da arquitetura moderna.
Há naquela um conteúdo tentativo de compreensão de um mundo urbano surpreendente, de aglomerações humanas desprovidas de significado cultural claro e de relações econômico-produtivas relativamente inéditas que pontuam o final do século XIX e o início do século XX, e que se tornam objeto da reflexão da arquitetura. Disciplina esta que, até pouco antes, não se aprendia que não na prática dos canteiros. Just in time.
A cidade já pode ser considerada antiga, embora as grandes aglomerações industriais (e as recentíssimas metrópoles globalitárias) não.
Parece-me fundamental discutir arquitetura, revisitar as suas (poucas) teorias fundantes. Principalmente porque o desafio, material e concreto (permitam-me o jogo de palavras) é real.
Nossas cidades, brasileiras e alhures, estão extensamente doentes.
Quiçá soluções prescritivas venham realmente a surgir de uma multiplicidade de leituras.
E não somente da mente dos arquitetos.
p.s. – sou profissional de arquitetura.
p.p.s. – o hotel Unique faz uma brincadeira visual, simulando uma física inexistente, assegurada por recursos tecnológicos da construção (estrutura). Até aí, nada de novo, mas eficaz. Nos espaços interiores, resoluções competentes para o fim a que se destinam. É até provável que gostem e se divirtam com essas.
É só comparar uma foto antiga de qualquer cidade com uma contemporânea. A humanidade não construía cidades feias, isso era uma idéia que simplesmente não existia. Isso se deve a Le Corbusier.