“Doença: antes de mais nada, tudo depende de quem está doente, de quem está louco, epiléptico, paralítico – uma pessoa medianamente tola, em cujo caso a doença prescinde do aspecto intelectual ou cultural, ou um Nietzsche, um Dostoiévski. Em ambos os casos, aquilo que resulta da doença é mais importante e estimulante para a vida e sua evolução do que qualquer normalidade aprovada do ponto de vista médico. A verdade é que a vida nunca prescindiu da doença, e dificilmente haverá uma afirmação mais idiota do que “a doença só pode gerar coisas doentias”. A vida não é suave com as pessoas, e podemos dizer que ela prefere mil vezes a doença criativa, doença que enfrentará os obstáculos a cavalo, saltando de rocha em rocha com audaz embriaguez, à saúde que anda a pé. A vida não é delicada e está longe de querer fazer qualquer distinção moral entre saúde e doença. A vida toma o resultado ousado da doença, ingere-o, digere-o e, da maneira que ela o acolhe, aquilo significa saúde. Toda uma horda e geração de rapazes receptivos e saudáveis se lança sobre a obra do gênio doente, transformado em gênio pela doença, admirando, elogiando, elevando, prosseguindo, transformando, legando-a para a cultura que não vive apenas do pão ordinário da saúde. Todos se declararão fiéis ao nome do grande enfermo, todos eles que, graças à sua insanidade, não precisam mais ficar insanos. De sua insanidade eles haverão de se alimentar, saudáveis, e neles ele haverá de ser saudável.
Thomas Mann, em “Dostoiévski, com moderação” (págs. 124-25), no livro “O escritor e sua missão”, publicado neste mês pela Jorge Zahar.
Uma leitura fundamental que deve ser ouvida ao som da seguinte canção:
Puxa, que coincidência! Quando eu li “A Montanha Mágica” há alguns anos, fiquei pensando: é mil vezes melhor levar a vida adoentada, porém riquíssima e interessante, de um Hans Castorp isolado num sanatório nos Alpes, do que ser saudável, medíocre, trabalhar duro e por obrigação, casar, ter filhos e morrer com a “boca escancarada e cheia de dentes”. Agora esse livro, justamente do Thomas Mann, dizendo mais ou menos a mesma coisa. Vou comprar.
Citação excelente para estes tempos de obsessão com a saúde. Mandem para o e-mail do Dr. Drauzio Varela.
O senhor trouxe uma citação literária relacionada a doença e eu aproveito para compartilhar uma relacionada à arte/ciência mutante e provisória da medicina:
“Uma coisa que traz uma maior decepção é você ver que um livro de medicina sensacional no fim de 15 anos não vale mais nada. Nós vivemos uma ciência absolutamente provisória. Essa incerteza me tortura. O que eu estou fazendo hoje, talvez daqui a dez anos seja considerado uma tolice, uma besteira e um erro. Essa mutabilidade da medicina é o que decepciona o médico que pensa um pouquinho em sua arte, arte no sentido hipocrático do termo.”
(Pedro Nava, médico, professor de medicina e escritor.)