Nessa altura do campeonato, vocês já devem ter percebido que uma das atividades preferidas do Bruno Tolentino era contar histórias. Essa segunda aula está repleta delas. As histórias eram sempre impressionantes; às vezes, completamente mirabolantes. Isso fazia com que qualquer ouvinte desavisado tivesse a certeza de que eram fruto da imaginação do poeta, jamais a narrativa de de fatos idos e vividos.
Quase sempre, desconfiado que sou, eu me incluía no time dos ouvintes desavisados: “Ah, imagina se isso pode ser verdade… Dono de padaria no Alaska… Não, isso não existe…”. Ou alguma outra coisa do gênero. Mas quanto mais o tempo passa, mais as histórias vão se mostrando, quando não absolutamente verdadeiras, pelo menos plausíveis.
Por exemplo: há poucos dias, recebi uma ligação do meu amigo Jessé de Almeida Primo, que disse algo assim: “Olhe, Guilherme, aquela história lá que você ficou desconfiado, de Tomaz Antônio Gonzaga ser conhecido na Rússia. Eu não sei, mas li um livro…”. E depois de uma longa explicação, eu disse a ele: “Jessé, você não pode perder a chance de mostrar que eu estava errado publicamente, escreve isso e a gente publica no blog”. Então ele me passou o texto que segue, que além de ser muito interessante por si só, mostra mais uma das facetas do nosso autor. Agora é com o Jessé, por hoje eu fico por aqui!
From Russia with love: era uma vez a vodka e a caipirinha…
Por Jessé de Almeida Primo
Introduzindo o leitor deste site às circunstâncias que antecederam à transcrição das aulas de Bruno Tolentino, em A Gênese de ‘Do Enigma ao Mistério’- III, Guilherme Malzoni Rabello citou um trecho em que o poeta diz que Tomaz Antônio Gonzaga figurava em terceiro lugar na preferência dos russos.
Considerando que essa informação tem aquele ar de que “é bom demais para ser verdade”, nosso comentarista teve o cuidado de dizer que se non è vero, è trovato.
Nosso comentarista é sensato, mas há uns dez anos li um opúsculo de um autor russo que, de certa forma, corrobora a informação de nosso saudoso poeta. O problema é que não me lembro do nome do livro (se não me engano, A literatura brasileira na Rússia), e muito menos do nome do autor. Seria um milagre guardá-lo na memória, dada a operação mental que memorizar nomes russos me exige, mas me esforçarei para descobrir o dito cujo e informá-lo a vocês, caros leitores. Por outro lado, como guardei as informações, não poderia deixar de divulgá-las antecipadamente.
Segundo esse autor, os aldeões russos já acompanhavam com interesse notícias do Brasil desde o século XVII, por meio da leitura dos textos dos viajantes que por aqui passaram, e que os aldeões liam em francês.
No século XVIII, já com o advento das Luzes (embora eu repute mais sérias as luzes geradas pela Eletropaulo, sem esquecer a COELBA, da minha Bahia-iá-iá), seu interesse aumentou ainda mais com a entrada de cena da nossa Arcádia Mineira, pois os aldeões vibravam com a liberdade que nossos poetas mineiros inspiravam e cujos poemas eram lidos também na versão francesa.
Esse interesse intensificou-se ainda mais com o advento do romantismo brasileiro, quando a escravatura virou um dos temas oficiais das nossas letras, tendo como carro-chefe os poemas de Castro Alves. Os aldeões se identificavam com o destino dos escravos, viam-se refletidos neles*, procuravam saber o máximo que podiam sobre o assunto e alguns escritores russos (de popularidade restringida ao local) faziam sucesso escrevendo romances ou peças nos quais figuravam nossas paisagens e nossa gente, e nos quais primavam pelo exotismo, que não é muito diferente do que concebem outros estrangeiros, que imaginam haver sucuris, macacos e micos leões dourados, e o Olodum passeando placidamente pelas calçadas de Copacabana de mãos dadas com o homo brazilianus em trajes típicos: bermudas brancas, camisas floridas e chinelas a la Jorge Amado.
Ou seja, essa seqüência de interesses dos vodkas pela cultura brasileira desde o nosso período colonial me faz crer que o “vero” está começando a marcar mais pontos.
That’s all, folks.
*Se os aldeões soubessem o que lhes aconteceria no século XX arrastar-se-iam de joelhos de uma ponta da Rússia a outra para pedir perdão ao Czar.
A biografia mais fascinante de um brasileiro que está por ser escrita é a do Bruno Tolentino. Imangino que daria para encher umas duas mil páginas com milhares destas histórias insólitas. Aguardo ansioso o dia em que ela virá. O Sr. Guilherme Malzoni se candidataria a biógrafo d’O Poeta?
E Thomas Mann, por incrível que pareça, é filho de uma brasileira.
Descobri agora há pouco um relato de uma palestra de Tolentino em Belo Horizonte, em agosto de 2006: http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=2609
Ah, sei…também li num livro que Dostoievski adorava cachaça com limão e inhame cozido com farinha, e Franklin Távora é o autor mais lido entre os pigmeus…