Realmente, só Clint Eastwood, com seu Invictus, para me fazer ir ao cinema ver um filme que romantiza a figura de Nelson Mandela, figurinha-chave nos meios socialistas fabianos e, para quem não sabe, chefe de uma organização terrorista na África do Sul na década de 60 (tudo bem, o apartheid é um “genocídio ético”, mas nunca deve se combater um mal com outro mal).
Eastwood mostra que ainda é um mestre nos cinqüenta minutos iniciais, expondo um país desconhecido a todos nós com rápidos movimentos de câmara e um senso muito peculiar da ambigüidade humana. Mandela é retratado como um grande estadista e, se a história do filme for suficientemente verídica, tenho de dar o braço a torcer e assumir que o homem fez um “milagre” – pelo menos em termos políticos.
O “milagre” em questão é unir um povo profundamente cindido entre si, prestes a entrar em uma guerra civil, através de um argumento não-ideológico. O Mandela interpretado por um Morgan Freeman com gravitas moral é um autêntico praticamente da política do ceticismo, mesmo que não saiba. Em uma cena fantástica, os revolucionários africanos querem mudar o nome do time de rugby, o hino nacional e as cores da bandeira, tudo em uma canetada só, como fazem os sovietes do PT nas Confecons da vida. Mandela é avisado da loucura e aparece de surpresa; argumenta que , se eles fizerem isso, será justamente o que a “minoria branca” espera: a cisão completa. “A reconciliação começa com o perdão”, diz ele. Uma de suas assessoras o refuta: “Mas você deve atender às exigências do povo” – e então Mandela responde que não, ele não foi eleito somente para representar o povo, mas também para liderá-lo e, muitas vezes, avisá-lo que está completamente errado.
Exceto por duas cenas realmente constrangedoras para um cineasta do calibre de Eastwood (a saber: a seqüencia da visita da favela e o momento em que o personagem de Matt Damon entrega um ingresso à empregada negra), Invictus pode ser exibido como uma bela aula de ciência política. A moral da história é seguinte: é possível unir um país sem recorrer às ideologias abstratas; basta apenas encontrar pontos em comum que unem a sociedade, interesses que mexam com as virtudes e não com as paixões baixas do ser humano. No caso, o esporte mexe com a competitividade, que pode ir para a inveja ou para a rivalidade saudável. Foi esta última que o Mandela do filme explorou; e a conseqüência prática foi simples: impediu uma guerra civil. Se isso não foi um milagre – mesmo a curto prazo – é a prova concreta de que a única forma de unir as pessoas não são com idéias rocambolescas de igualdade e sim com o respeito ao real, a única autoridade a que um verdadeiro estadista deve se submeter ao governar um país.
É mais ou menos o que acontece aqui com a nossa seleção, apesar das tentativas do Estado de ser o nosso Pai Ancestral…
“Eastwood mostra que ainda é um mestre nos cinqüenta minutos iniciais”
Depois disso tem cãibras? é substituído?
Invictus não impressiona tanto como os melhores filmes de Eastwood, mas é curioso que nele parece haver alguns avanços simbólicos. Depois daquela morte sacrifical em Gran Torino, eis que surge um filme dele sem morte e sem violência cíclica. Nesse sentido, o projeto simbólico de Nelson Mandela se alinha com o de Clint Eastwood.
Os paralelismos com John Ford também chamam a atenção nessa narrativa. A solidão do líder (O último hurrah), o fantasma do passado (A mocidade de Lincoln) e os simbolismos da democracia (O homem que matou o facínora) parecem ser questões que também instigam o velho Clint.
Filme bom e bem subestimado este Invictus.
“genocídio ético”? Não quis dizer étnico, Martim?
” chefe de uma organização terrorista na África do Sul na década de 60″
Não foi justamente por isso que ele foi preso?? Então o fato não vem ao caso…
As cenas da favela acho que são mais uma mostra da unidade que Mandela conseguiu. Foi um ato contra o fato futebol é para pobres negros e hugby é para brancos.
E qual o problema do ingresso para a empregada negra? Não foi uma atitude louvável?