O little town of Bethlehem
How still we see thee lie
Above thy deep and dreamless sleep
The silent stars go by
Yet in thy dark streets shineth
The everlasting Light
The hopes and fears of all the years
Are met in thee tonight
Obviamente, cada vez que encontro com um amigo ou uma amiga de longa data, a pergunta que vem em primeiro lugar não é sobre o meu estado de saúde e sim sobre o que achei a respeito do novo álbum de Bob Dylan – aquele, repleto de canções natalinas.
Vou direto ao ponto: achei-o excelente. Confesso que estava apreensivo e que o bardo fanho (agora, mais rouco do que fanho) poderia ter lançado uma bomba musical, mas, depois da primeira audição, fiquei rendido e posso dizer sem nenhuma hesitação de que se trata de um disco comovente, de fazer chorar até quem está possuído pelo Christmas Blues.
Há pelo menos duas canções em que Dylan prova que, no meio de um percurso cheio de falhas, trata-se de um devoto sincero e humano. Elas são O Come All Your Faithfull, com direito a introdução recitada em latim, e O Little Town of Bethelhem, que fecha o álbum com um pungente amen. Quando Dylan canta o verso the hopes and dreams of all the years are met in thee tonight, você sabe que o homem já passou por aquilo várias vezes em sua longa vida.
O que me faz pensar se, neste mundo que recebe Cristo com uma reserva pós-moderna, eu talvez não tenha a mesma reserva e tenha deixado de lado mais a esperança do que as minhas dúvidas. Todo o crente chega a um momento que faz essa pergunta: Creio porque é verdade ou creio porque não há outra forma de crer? Quem não fez esse questionamento não passa de um eunuco espiritual. Claro que eu sei que, ao fazer tal afirmação, corro no pecado do orgulho, mas também não posso negar que, durante vários Natais, tive muito mais dúvidas do que propriamente certezas.
Então, por quê acredito? Porque não tem outro jeito, caros leitores – a partir do momento em que você revê todo o percurso de sua vida e percebe que, se fosse por suas próprias forças, não haveria a mínima chance de ficar vivo, começa-se a perceber que há algo a mais; e este algo a mais não é somente um sinal algébrico de soma e que parece ser igual a uma cruz, mas também uma pessoa que, no meio de seu silêncio, conversa contigo e responde às suas dúvidas mais profundas. E é isto o que significa o “não há outro jeito”: mais cedo ou mais tarde, essa pessoa vai cobrar o que você fez deste relacionamento. Ele pode ter toda a paciência e todo o carinho do mundo, mas, ah, meu amigo, um dia você prestará contas disso, não tenha dúvidas.
Quem se recusa a estar sob a presença constante de Deus, mesmo que seja o mais inveterado dos pecadores – e Cristo veio para os doentes, não para os supostamente sãos – amputa uma perspectiva da vida que tira o seu sabor – enfim, tira o seu sal. Um dia desses, um taxista comentou comigo que, na decoração de Natal dos shoppings, não há mais presépios. É a mais pura verdade: temos uma enormidade de papais-noéis, mas esquecemos do menino, da mãe e do pai. Posso ver nisso o declínio do Ocidente – contudo, acho que é um fato mais grave: é simplesmente a morte da esperança em nós mesmos. E quando a esperança nos abandona, o que fazer? Vivemos no mais absoluto dos medos.
Por isso, neste Natal, vou fazer um balanço dos meus medos e das minhas esperanças, das minhas certezas e das minhas dúvidas. Não sei se será favorável. Mas, com certeza, sei que, na hora de fazer as minhas perguntas, alguém saberá como respondê-las.
Um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo para os leitores da Dicta, lembrando que este que vos escreve cumprirá o ritual do Christmas Blues e until is January I just go off and dissapear, com volta marcada para o próximo dia 20 de janeiro.
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Concordo bastante com o texto; mas sobre a pergunta “Creio porque é verdade ou creio porque não há outra forma ?”, no meu caso também creio por não haver outro jeito, mas continuarei buscando a verdade, que certamente existe. Não temos certeza se a encontraremos plenamente, mas a vida é muito curta para sequer tentarmos.
[ ]s
Essa história dos presépios eu já tinha percebido há muito tempo. Curiosamente, aqui em Curitiba parece haver um revival — dois shoppings dos bem localizados e movimentados colocaram presépio. Um é mais discreto, escondido num corredor. O outro é escancarado, gigantesco, bem no meio da praça de alimentação, impossível de ser ignorado. Gerentes disseram aos jornais que o presépio era pedido dos clientes. O que não faz uma pressãozinha…
Martim,
Peço-lhe elaborar um ponto. Você afirmou que “Cristo veio para os doentes, não para os supostamente sãos.” Mas qual seria a diferença, nesse caso, entre os dois grupos? Não seriam também doentes os supostamente sãos?
Um abraço,
Túlio
Caro Tulio:
O ponto todo é que não existem seres completamente sãos. Qualquer um de nós já está maculado por aquilo que se chama “pecado original”; a Graça, sem dúvida, o recupera, mas, enquanto vc estiver por aqui (i.e. a Terra), alguma mancha sempre permanecerá e influenciará seus pensamentos e suas ações. Por isso, o que acham que são saudáveis não são em hipótese nenhuma – são supostamente sãos, ou, em falta de termo melhor, comportam-se como fariseus. Daí que Cristo veio para aqueles que reconhecem abertamente o fato de que são pecadores e, por isso, arrependidos, buscam a sua Graça. A fé não é somente uma tênue crença – mas uma forma de saber que vc será salvo independente da sua sujeira espiritual (claro que não se pode esquecer da responsabilidade individual neste caso).
Satisfeito?
Abraços e Feliz Natal,
Martim
Obrigado per me responder, Martim. A lógica de sua explanação me pareceu impecável. Um ponto, porém, continua a me incomodar no texto. Ali, imediatamente antes da passagem sobre os doentes e os supostamente sãos, você usa a expressão “o mais inveterado dos pecadores”.
Penso da seguinte forma: mesmo que, por um lado, “o mais inveterado dos pecadores” não se suponha virtuoso – ou seja, não poderia ser considerado um fariseu, por outro, justamente por ser “o mais inveterado dos pecadores”, não seria ele, por definição, incapaz de reconhecer abertamente seus pecados e de se arrepender?
Talvez o problema esteja na minha leitura ou apenas no adjetivo “inveterado”. Não sei.
Obrigado pelos votos. Também lhe desejo – a você e aos seus – um Feliz Natal!
Um abraço,
Túlio
Feliz Natal e um Próspero Ano Novo para você também Martim e para todos da “Dicta”.
Parabéns pela revista.
Um abraço,
Diego Ortega.
Martim, este é um comentário bem atrasado. Já estamos no final do primeiro trimestre de 2010. Mas vamos lá: precisa sua definição para a pergunta sincera de todo cristão: “Creio porque é verdade ou creio porque não há outra forma de crer?”. Dúvida perene? A propósito, pedi na Amazon este CD do Dylan, com o devido atraso, mas aproveitando a carona do pedido de uma obra que, segundo Carpeaux, é capaz de converter até ateu: St Matthew Passion, de JS Bach. Abs. PH