A possibilidade de perder a vida por tê-la empregado mal causa um justificado temor. Penso em tantas pessoas que gastaram horas, dias, anos, em tolices que depois se mostraram totalmente ocas. Lembro-me de um professor que, no começo da década de 90, logo após a queda do Muro de Berlim e a dissolução do Partido Comunista Soviético, dizia: “Não sei o que fazer com minha biblioteca de marxismo… Tudo aquilo que li e estudei não parecer servir para mais nada”.
Não quero dizer que não se deva estudar o marxismo – ainda que me pergunte se vale a pena fazê-lo… –, mas que aqueles que apostaram a vida nessa ideologia embarcaram numa canoa furada, isso sim! Gerações e gerações se perderam aí, como aconteceu com outras ideologias que passaram sem levar a uma aproximação da verdade e do bem.
E há também os que empregam o principal da vida em coisas como os esportes, a televisão, os passatempos, a comida, ou simplesmente dormir… Temos que reconhecer que são certeiras as palavras de Shakespeare: What is a man, / If his chief good and market of his time / Be but to sleep and feed? (Hamlet, Ato 4, Cena 4).
Hoje em dia, há uma pressão social em favor do sleep and feed, como se todo o resto fosse tolice. No fundo, o maior ideal do ser humano seria conseguir viver como um cachorro: sem responsabilidade, fazendo o que agrada aos instintos, enfim, a beast, no more. E ainda chamam isso de “aproveitar a vida”… Que vida?, cabe perguntar.
As comemorações da passagem do ano, com tudo o que têm de convencional, podem servir como uma espécie de beliscão, de despertador. Afinal, o tempo está passando… e o que tenho feito eu com ele? Acredito que o incômodo dessa pergunta leva muita gente a passar esses dias com uma espécie de melancolia de fundo, muitas vezes disfarçada pelo frenesi próprio de quem tem a alma insatisfeita.
Contudo, não é o caso de cair no pessimismo. Pois o novo ano também representa mais tempo que nos é concedido, novas oportunidades para fazer algo que valha a pena. E mesmo o tempo perdido pode ser recuperado, se servir de aprendizado. Para tanto, é preciso refletir sobre ele e apreender as lições que nos possa ministrar. Então, mesmo os fracassos, as decepções e as torpezas se tornam combustível para acertos e realizações.
Não posso deixar de transcrever aqui uns versos de Bruno Tolentino, nos quais ele se refere à sua vida:
Naturalmente, quem sou eu para que Deus
cumprisse em minha vida promessa tão perfeita,
e no entanto ei-Lo arando, limpando os olhos meus,
fazendo-os ver que, no trigal em que se deita
a luz dourada e musical, se algo perdeu-se
foi como o grão – entre a seara e a colheita
(Imitação do amanhecer, “Em frontispício”)
Também nós estamos entre a seara e a colheita. Não sabemos no que vai dar a nossa vida, que pode se corromper com facilidade. No entanto, pode também ser retificada e enriquecida, cumprindo seu sentido e tornando-se uma pequena obra-prima, ainda que desconhecida até de nós mesmos. Por isso, estamos sempre em um tempo de esperança.
Obrigado.
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