Contra o pedantismo conservador

A primeira coisa que um esquerdista afirma sobre um conservador é que se trata de um pedante – e, lamento informá-los, ele está certo. No Brasil, e talvez em boa parte do mundo, sempre que alguém se diz conservador, católico, tradicionalista, logo imaginamos um desses sujeitos que andam com uma cruz gigante no peito, falam sempre em latim, citam Sto. Tomás e, claro, acreditam que o rock é, de fato, a música do demônio.

O estereótipo não está completamente errado; de fato, existem pessoas que vivem assim. Mas também não podemos deixar de culpar a própria elite conservadora – que, no Brasil, não há, mas que existe muito nos EUA e na Europa – de querer se exibir no seu high brow e esquecer que existem formas de cultura popular tão válidas como, por exemplo, um lied de Schubert ou um soneto de Andrew Marvell (notaram como fui propositadamente pedante neste trecho?).

É o que argumenta Andrew Klavan em seu pequeno, mas estimulante artigo para o City Journal. Só para ficar em exemplos, ele cita ninguém menos que Tom Stoppard e David Mamet como a prova de criadores que sabem equilibrar suas visões conservadoras e sua integridade artística, sem caírem na esparrela ideológica:

We might consider, for instance, that both the greatest living English playwright—Tom Stoppard—and the greatest living American playwright—David Mamet—are not only brilliant but politically conservative. We might take delight in some of the amazingly beautiful video games that allow young men to imagine themselves as American soldiers and other heroes, just as we older guys used to do while watching John Wayne and Clint Eastwood films.

Or we might consider television, which has been enjoying a startling Golden Age with great police dramas like The Wire and The Shield, soap operas like The Sopranos and The Tudors, and plenty of good straightforward comedies and mysteries like The Big Bang Theory and the new Justified. And while too much family entertainment is still marred by political correctness, there’s also wonderful stuff like Up, Ratatouille, and The Incredibles.

Da minha parte, o meu sonho atual é fazer um seriado de TV com o mesmo requinte artístico de um Sopranos ou de um Mad Men, e com um pendor para a cultura popular que não ficaria nada a dever a um Daniel Filho (sem as esquisitices espíritas de seu Chico Xavier, é claro). Alguém se habilita a financiar tal loucura?

25 comentários em “Contra o pedantismo conservador

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  2. Qd for bilionário vou me lembrar de vc, Martim… hehehe

    Só não vá buscar financiamento público, viu?

  3. Também nesse ponto, parece-me que estamos muito atrás dos americanos; o último grande filme popular conservador brasileiro, “Tropa de Elite”, foi feito acidentalmente por esquerdistas incompetentes, cuja intenção era fazer mais um filme antipolícia e antiordem.

    O artigo de Klavan é bom, chama a atenção para uma necessidade real e relevante, mas permite uma provocaçãozinha dialética (que não chega, de modo nenhum, a invalidar o argumento central do artigo): não é estritamente necessário — e nem conveniente — que cada um dos já poucos conservadores volte seus esforços para a indústria cultural de massas. É saudável para qualquer cultura que remanesça um minúsculo time de aristocratas do espírito de estrita observância, eremíticos e fundamentalistas. Há alguns poucos mas relevantes trabalhos intelectuais que só podem ser feitos pelo tipo de gente que passa anos a fio sem ir ao cinema ou ligar a televisão uma vez sequer.

    Otto Maria Carpeaux (que, aliás, atendia estudantes com a maior cortesia e, na sua conversação cotidiana, não tinha nada de pedante) desprezava até as valsas de sua Viena natal — isso para não falar de qualquer música realmente popular, fosse germânica, brasileira ou de qualquer outro país. Sinto que existe uma conexão entre isso e a capacidade de escrever um livro como a “História da Literatura Ocidental”, mas reconheço que é só uma intuição.

    Mas, ei, também gosto de John Wayne e Clint Eastwood.

  4. Já que mencionou o Chico Xavier no final deste post, é bom frisar que ele própria é vitima deste pedantismo conservador. Há uma dezena de jovens intelectuais do orkut que babam de raiva de quem admira este tipo de figura porque, pobres idiotas, não conhecem a doutrina de René Guenon. Mas quem tem a prova de que não havia nenhuma inspiração divina nos feitos do medium, até porque era um homes simples e não consta que tenha feito algum mal a alguém, além de não ter ganho nem um tostão com a multidão de pessoas que o procuravam, ao contrário de inúmeros líderes de seitas e pastores protestantes. Ou existe um rol numeros clausus das formas de Deus agir sobre o mundo?

  5. Um respeito pela instituição do exército e pelos combatentes é de fato uma característica que podemos chamar de conservadora no bom sentido (embora nem todos os conservadores, especialmente americanos, o tivessem).

    Agora que qualquer atuação do exército americano seja louvada, seja ela qual for, sem necessidade do contexto moral, revela uma mudança de valores no que se chama de conservadorismo. Neo-cons militaristas são só engenheiros sociais (i.e., planejadores centrais) com o sinal trocado.

    Bom, isso é picuinha no artigo. O ponto central é muito verdadeiro. E, nessa nota, por que não mencionar o House, que constantemente subverte as expectativas do politicamente correto? O padre que todos pensam ser pedófilo no final das contas é inocente, e seu acusador é que tinha mentido e arruinado sua reputação.

  6. Pôxa, para mim, um certo esnobismo é uma das melhores qualidades do bom conservador. Esse tal Klavan, com seu elogio de videogames, está mais para filisteu. Podem me chamar de pedante…

  7. Meus caros,

    Não me considero um conservador. Todavia, acredito que certa dose de conservadorismo – principalmente de conservadorismo epistêmico – seja muito bem vinda para que não se embarque em possibilismos delirantes. No caso específico do Brasil, creio que não exista um pensamento conservador desenvolvi. Existe um não-pensamento (se não me engano, assim disse FHC em entrevista a esta revista – D&C) ou como Eduardo Giannetti da Fonseca proferiu em evento também promovido pela D&C que em várias áreas – como a história das ideias – não possuímos um pensamento sério, algo que têm como característica a permanência (uma capacidade de sobreviver ao crivo do tempo), a originalidade e algum compromisso prático.

    Quanto ao primeiro aspecto, não possuímos – ainda segundo EGF – uma tradição com a qual dialoguemos, seja ela conservadora ou seja o que for. Ser conservador não envolve a simples “veneração das instituições de ordem”, mas concepções muito mais elaboradas e sofisticadas. Uma mera emulação do que se faz nos EUA tal como foi apresentado não faz sentido, nossas instituições ainda não se consolidaram e apresentam muitas falhas, sendo perigoso construir-se mitificações em torno delas em nome de um pretenso conservadorismo que não iria além do macaquear o tio sam e que feriria o segundo critério de determinação de um pensamento sério feito por Giannetti da Fonseca, além de não concorrer para a melhora dessas instituições, tendo assim consequências práticas ruins.

    Não caiamos em “histórias da carochinha”, tanto à esquerda, quanto à direita.

    Abraços a todos.

  8. Em tempo: gostaria de elogiar D&C pelo excelente trabalho que tem feito e por abrir uma brecha num debate que ainda anda muito truncado neste país. Prossigam nesse caminho, melhorando sempre. Desejo muito êxito à revista!

  9. “Há alguns poucos mas relevantes trabalhos intelectuais que só podem ser feitos pelo tipo de gente que passa anos a fio sem ir ao cinema ou ligar a televisão uma vez sequer.”

    Concordo plenamente.

    Parece-me que o artigo confunde pedantismo com o afastamento da cultura fácil, popularesca, afastamento que se exige de qualquer pensador profundamente sério.

    Segundo essa analogia, um homem como Otto Maria Carpeaux, como Louis Lavelle, como Mário Ferreira dos Santos seria “pedante”.

    O Mário, por exemplo, tinha paixão por futebol e vivia em contato diário e amigável com todos os seus alunos, além de ser educadíssimo em todos os seus debates. Isso não quer dizer que devesse se entregar à cultura fácil. Fizesse isso, jamais teria sido gigante como foi.

    Temos que ter muito cuidado com esses adjetivos que, de tão repetidos, acabam por atravessar os tímpanos e penetrar no cérebro à força.

  10. Teologia no American Idol? Prefiro não saber do que se trata. Na verdade, existem poucas coisas tão deprimentes quanto direitistas ou supostos conservadores tentando defender a dita cultura(?) popular. Não raro, isso envolve a apropriação ideológica da Arte, algo monstruoso e essencialmente anti-conservador, mesmo que ocasionalmente de direita. Não me esqueço, por exemplo, de alguns idiotas que escreviam no Mídia sem máscara (site sensacionalista, aliás) e que, há alguns anos, defenderam o “valor cultural” de porcarias como “300”, “Clube da Luta” e “Duro de Matar 4.0″. O último, aliás, foi incluído porque “um filme cujo vilão se inspira em Lenin não poderia passar despercebido nos dias de hoje”. Como se fosse justificativa. E isso enquanto mestres como Aleksandr Sokúrov, Béla Tarr e Krzysztof Zanussi seguem atrás das câmeras, dirigindo verdadeiras obras de arte. Tasteless, to say the least. Desnecessário dizer que um conservador de verdade tem mais em comum com Adorno do que com essa corja de homens-massa.

  11. Calma, Tulio, calma, não fique assim. Aqui, nós também gostamos de Kieslowski, Sokurov e Tarkovski – ah, e claro, de Simply Red também, viu 😉 Abraços Martim

  12. Martim, eu não deveria dar muita bola para a falácia, não. Mesmo assim, devo esclarecer que mesmo gostando, e muito, de Simply Red (e do Liverpool F. C., e do Lleyton Hewitt – tenista australiano ex-número 1 do mundo, e.g.), eu não confundo esse tipo de coisa com cultura. Nem escreveria para a Dicta, por exemplo, sobre qualquer um deles. Nem acho que mereçam figurar na mesma categoria que os grandes diretores supra-citados.

    E a propósito, rock não é a música do diabo, não. Nem poderia ser. Digam o que quiserem sobre ele, Lúcifer tem mais classe do que isso.

    Abraços,

  13. Enviei o artigo do Klavan ao Professor Paul Gottfried, um dos ilustres membros da Velha Direita americana – os “paleos”, como um exemplo daquilo que denomino “tasteless conservatism”.

    A resposta dele contém uma simples, mas importante observação: “Dear Tulio,There is a widespread tendency on the populist or tasteless bogus right to clebrate American popular culture. This explains the wave of euphoria that greeted the arrival of Sarah Palin on the national scene. Sarah speaks like a badly educated American, who could never be mistaken for a European nobleman or even a WASP patrician. She is the kind of person one might run into (if one weren’t lucky enough to miss her at a smalltown mall. W had exactly the same appeal. Paul”

  14. Mas tem esnobismos e esnobismos. Aquele que Girard sugere ser purgado na redescoberta do tempo perdido (verdade romanesca, etc) contrasta com a perda de tempo daquele que se perde no mimetismo, sei lá, à sombra das raparigas. Nuda nomina: eu diria que o Sokurov do genial “Arca Russa” é exemplarmente autoral e não esnobe. Se ele noutro momento esnoba a composição do juri de Cannes, continua exemplarmente “romanesco”.

  15. Caro Ricardo,

    Sobre Sokúrov e o júri de Cannes, você por acaso se refere ao momento em que o russo descreve Sharon Stone com desprezo como “uma atriz pornô”?

    Um abraço,

    Túlio

  16. Não entendi ainda a celeuma em relação à Sarah Palin. É bom lembrar que o último bom presidente americano saiu da cultura popular: Reagan. Esse esnobismo intelectual é uma bela bobagem. Não li o Ortega y Gasset, então essa minha crítica não o inclui, mas do que eu tenho lido sobre homem massa, esse negócio para mim é coisa de macumbeiro. É pura macumba intelectual.

  17. Pois é. Pegou pesado. Ignoro porque a Sharon Stone foi singularizada, mas parece que em 2002, quando concorreu, o indispensável “Arca Russa” não levou nada. Haveria um novo filme dele agora em maio, “Fausto”, não sei se na competição. Aguardo seus comentários, aqui ou alhures. Enquanto isso, aos esnobes de todos os matizes e a alguns setores da arquibancada interessará este artigo que saiu em fevereiro numa revista de livros: http://www.nybooks.com/articles/archives/2010/feb/11/the-dream-director/ O texto melhora e traz informações bacanas depois do teaser. Seis dólares bem gastos, ao menos para quem até agora assistiu apenas a um único take do Sokurov. Tem vários parágrafos sobre esse filme que não emplacou na cruzinha em 2002. Além de jogar luz sobre o mistério do guia no Hermitage, o autor faz uma panorâmica sobre o mestre a partir d´”O Sol”, focado em Hirohito e lançado há alguns meses nos EUA (ainda que não seja novo, you tell me).

  18. Em tempo, Tulio: se me lembro bem da história colhida de boa fonte, o que o Sokurov terá querido sinalizar em 2002 é que o instrumental crítico do júri deixava a desejar. Não é isso? O fato é que esse negócio de competição precisa ser levado, claro, com um grão de sal, ou todo um saleiro nesse caso. “Arca Russa” é um alumbramento. Sorte que existe(m) crítico(s) de cinema em Brasília, of all places, capaz(es) de apontar a evidência, sustentá-la e propor reflexões em torno dela.

  19. O esnobismo entendo; não entendo que ele seja identificado com “European nobleman” e “WASP patrician”.

  20. Boa observação, Joel. O fato é que esse pessoal da Velha Direita costuma adotar uma perspectiva historicista. É por isso, inclusive, que alguns deles não gostam muito de Leo Strauss ou dos straussianos. Preferem Gadamer.

    Sokúrov e meu amigo Ricardo Leal terão de esperar só mais um pouco…

  21. “padre que todos pensam ser pedófilo no final das contas é inocente, e seu acusador é que tinha mentido e arruinado sua reputação.
    Comentário por Joel Pinheiro — 21 de abril de 2010 @ 9:52 am”

    Isso é subentendido seu. Não fica claro no episódio (da 5ª temporada) o que ocorreu de fato entre os dois.

  22. Já que o acaso cá me trouxe novamente, algumas palavras a mais sobre o tema eu deixo. É um tanto curioso ver como certas pessoas se sentem importantes por serem refinadas em seus gostos, por estarem muito acima da “cultura do zé povinho”. Em verdade, muitos pensam que são refinados, quando na verdade não o são realmente, apenas em aparência, sendo antes de tudo esnobes. Ortega y Gaset, em seu A Rebelião das Massas, identifica a palavra snob como tendo procedência na expressão latina sine nobilitate, assim diz que o esnobe é aquele “sem a nobreza que obriga”, sem a nobreza que lhe impõe obrigações. No caso que tratamos, pode-se dizer que este é o sujeito que não se subordina à humildade e à razão, preferindo os afagos das externalidades – é um cortesão pedante e vazio. Aquele que se crê melhor apenas porque “é”, apenas em função de seu requinte, é, sobretudo, um indigente intelectual que encontra seus análogos em qualquer classe social.

    Abraços,

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