Semana passada soube-se que Christopher Hitchens, o famoso polemista que xingou Madre Teresa e disse que Deus não é tão grande assim, foi diagnosticado com um câncer no esôfago.
Como diria Conrado Soprano nesses momentos, foi surpreendido pelo big cassino.
Ou não: depois de anos gabando-se de suas bebedeiras, suas carreiras de cocaínas e seus experimentos em waterboarding, alguma coisa tinha de acontecer.
Mas isso é um pensamento vulgar para nos acomodar e – pior – nos confortar para algo que pode acontecer a qualquer um de nós.
Um dos colegas de Hitchens na revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, faz a impertinente pergunta aos seus leitores mais crentes: Devemos rezar por Christopher?
Antes que os leitores carolas da Dicta resmunguem, este humilde escriba não hesita e diz que a resposta é sim.
Contudo, o texto de Goldberg, leve, ameno, com pitadas de ironias salpicadas até para o próprio doente, mostra sem saber um problema mais profundo: o fato de que, quando alguém se depara com a indesejada, não há outra maneira de enfrentá-la exceto… rezando. Mas para quem?
O detalhe dessa história é que quem se encontrou com a dita-cuja é um intelectual – e quando isso acontece com um, afeta todos os outros.
Afinal, o raciocínio é o seguinte: se aconteceu com ele, um sujeito que se vendia como alguém “bigger than life”, pode muito bem acontecer comigo.
Mas não era um intelectual qualquer. Era um intelectual que negava a possibilidade de qualquer perspectiva metafísica na vida cotidiana.
Logo, quando se está no portão da agonia, a quem apelar? A Deus, este conceito estranho que abarca algo que ninguém na História conseguiu entender direito? Aos deuses da medicina? Aos átomos de Epicuro? Ao Johnny Walker? Não, o intelectual se mantém fechado em sua auto-suficiência e apela para a ironia, para as seitas do Aloha-ei (se não entendeu a referência, leia o texto…) e, no fim, tudo isso se revela como disfarce para esconder a hubris.
O que é algo sintomático da nossa cultura. Se todos rezam por alguma coisa, quem será que vai te atender?
Devemos rezar por Christopher Hitchens? Sim, é óbvio. Mas creio que, antes de tudo, é melhor ter alguém para nos escutar (e, claro, escutá-lo).
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Se Deus de fato existir, o atei’smo de Hitchens seria certamente um pecado menor do que a “compaixao crista~” demonstrada por supostos crentes diante da trage’dia alheia…
“Mas não era um intelectual qualquer. Era um intelectual que negava a possibilidade de qualquer perspectiva metafísica na vida cotidiana”.
Era? Não era, é. Hitchens está vivo e continua ateu. Clareza na escrita, por favor.
É no mínimo um figuraço. Uma breve pesquisa de imagens no Google mostra Hitchens escrevendo com uma garrafa de bebida ao lado e fumando, Hicthes no banheiro nu fumando cigarro com barrigão cirrótico, Hitchens depilando a perna com esteticistas, Hitchens empunhando um revólver. Lembra o Ernest Hemingwai descrito no livro Intelectuals de Paul Jonhson. Um fanfarrão, um Faustaff. Seu estilo de vida mostra que, no fundo, não dava a mínima para a Ciência e a Razão pois estas não cessam de apontar o abuso de álcool e cigarros como causas principais das neoplasias do sistema digestivo. Triste é agora que encontrou a Negra ter de trocar os prazeres químicos pela quimioterapia. Uma troca que ateus, crentes, esquerdistas e conservadores amantes do álcool e do tabaco não querem nem pensar em ter de fazer no futuro.
Nao, triste nao eh Hitchens encontrar o cancer depois de uma vida supostamente desregrada (detalhe, muita gente supostamente “sadia” morre muito antes com vidas muito mais insignificantes e contribuicao pifia para a humanidade).
Por mais que os “crentes” estejam felizes com o cancer de Hitchens, pelo menos ele teve a coragem de expressar as suas opinioes – muitas vezes contra regimes tiranos como Iraque, Ira, Coreia do Norte.– coragem que muitos cristaos nao tem.
Sua critica poderia servir tambem de auto-reflexao para os religiosos e o seu papel no mundo. Mas esse pessoal com “conexao direta com deus” nao aceita criticas… nem quando eles abusam de menores de idade… ou da fe de “beatas dedicadas”…
O comentarista Paulo não entendeu o post do Martim. Não sei onde ele leu que alguém está contente com o câncer do Hitchens. Ele é um jornalista de talento inegável, mas que costuma escrever rematadas bobagens sobre religião. Já foi humilhado pelo Dinesh D´Souza, num debate que pode ser visto no YouTube. Como “crente” que sou não resisto a fazer esse mesmo questionamento a outros ateus presunçosos. O problema não é ser ateu, o que pega mesmo é o ateísmo militante, que revela a presunção da onisapiência sobre a natureza da existência humana, sinal claro de ignorância e desonestidade intelectual. Quando o Saramago morreu eu perguntei a meus amigos ateus como deveria ser o diálogo do escritor com Deus e todos eles também afetaram essa mesma indignação do Paulo. Todo ateu militante perde o rebolado diante da inevitabilidade da morte. Não estranharei se, em breve, o Hitchens converter-se ao Catolicismo…
Fernando Jose, pode ficar tranquilo, eu entendi o post sim, viu? E o “schadenfreude” eh inegavel.
Voce se engana, Dinesh D’Souza nao humilhou Hitchens nao… eles fazem esses showzinhos muito bem pagos com frequencia e o que se ve eh o tradicional “preaching to the choir”. Em nenhum dos debates D’Souza humilhou ninguem, por mais que o Olavo de Carvalho repita isso…. Alias, o Dinesh lancou um livro onde ele “prova” (hahaha) a existencia da vida apos a morte. Um cientista…
Outra coisinha, nao vejo que “ateistas militantes” –e nao me incluo entre eles– se coloquem “acima da vida” (ou “bigger than life”). Muito pelo contrario, sao os crentes que imaginam um pos-vida onde prestarao contas de seus pecadilhos e eventuais bondades.
Eh desinformada a sua afirmacao que ateistas desafiem a “inevitabilidade da morte” — algum deles jah se proclamou imortal??. Quem tenta evitar a morte, uma vez mais, sao os crentes…
Pra terminar, um suposto dialogo de Hitchens com deus seria muito mais interessante do que o de muitos padres pedofilos, bispos da igreja universal , terroristas islamicos ou outros representantes de algumas religioes por ai…
PS – e por que Hitchens se converteria ao catolicismo??? Nao ha outras religioes??
Ô Paulo, pelo visto você conhece tanto sobre religião quanto o próprio Hitchens he-he…Se pela sua ótica “padres pedófilos, bispos da universal e terroristas islâmicas” fazem parte de um mesmo universal abstrato que você chama de “religião”, então nem faz sentido continuar essa conversa. Você deve ter lido o livro do Richard Dawkis sobre Deus e ficou muito impressionado. Se um dia você estiver mais calmo, menos tomado por esse furor tipicamente brasileiro de “estar certo”, quem sabe possa conhecer um pouco mais sobre o assunto e até quem sabe entender a ironia do post sobre a doença do Hitchens? Vou me abster de comentar seus adjetivos desferidos contra Dinesh D´Souza. Pelo jeito você deve ser mais um daqueles leitores do Olavo de Carvalho que, em vez de tentar aprender alguma coisa com ele, prefere o prazer mórbido de odiá-lo. Mais ou menos como os petistas que frequentam o blog do Reinaldo Azevedo. Se você não suporta o Olavo, poderia então fazer um curso com o filho dele, o Gugu, que é fera no assunto religiões. Quem sabe se, conhecendo um pouco mais o objeto, você não fique mais tão nervoso?!
Abraços!
Eh, contrariar um crente deve ser sinonimo de “nervosismo”…
Fique tranquilo Fernando, eu nao “odeio” o Olavao (seria isto um pecado?), apenas nao concordo com (ou saio repetindo) tudo o que ele diz como se fosse a verdade absoluta.
Eu nao sou ateu e nem contra religioes, mas acho de baixissimo nivel a “ironia”–expressada no post– diante da tragedia alheia (como se crentes nao morressem todos os dias de cancer….).
E note, nao eh exclusividade desta revista nao. Uma pequena pesquisa sobre Hitchens e o seu cancer revela que varios blogs “cristaos” estao excitadissimos com a possibilidade de “deathbed conversion”…
Compaixao eh isto.
Mas se uma conversão é o ponto alto de uma vida para quem crê! Veja: isto é querer bem ao senhor Hitchens! Sim, compaixão é isto. Para mim, a resposta era sim desde sempre, a pergunta que motiva o post e serve de título é desnecessária para quem entende minimamente a mensagem do Evangelho.
Esse tal de “Paulo” não passa de um analfabeto funcional (bem, seu tenebroso “estilo” de escrita demonstra bem isso). Leu o texto mal e porcamente, feito a cara dele, enxergou ironia onde não havia e agora fica aí, cagando regras de moral.
Isso é que dá moleques de 14 anos terem acesso restrito ao computador. Vai andar de skate, vai, pirralho.
Coisa horrível esse “minimamente” de meu último comentário. Peço que desconsiderem.
Mauricio, ainda bem que existem pessoas maduras, com estilo requintado, como voce… estamos em boas maos he he.
qed.
Helder,
concordo com voce. A pergunta, para quem se diz cristao, por exemplo, nem deveria ser feita. Mas a intencao implicita da suposta “reza” nao eh a recuperacao de Hitchens, e sim a sua conversao no leito de morte — ou no “portão da agonia”– para que ele possa se arrepender do que fez…
A ideia de que o cancer de Hitchens tenha algum outro “sentido” alem da logica –e, relativemente, esperada– consequencia de uma vida desregrada pelo excesso de alcool e cigarro eh risivel. Condiz com um deus criado aa imagem do homem, e nao o contrario….
Como disse o rabino David Wolpe
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/07/02/AR2010070202450.html :
“There is no reason to suppose it will change his convictions; I have undergone neurosurgery and chemotherapy with my faith unshaken — why assume he could not emerge with his unbelief unchanged as well?”
Ah, mas em tempo! Ateísmo militante é o fim da picada. Doente ou não.
O raciocínio do leitor Paulo é um primor de assimetria: o Hitchens pode passar a vida esculhambando, de maneira absolutamente ignorante, um assunto que é importante e vital para milhares de pessoas e para a própria civilização ocidental como um todo. Quando um crente, por sua vez, coloca o Hitchens frente ao que ele próprio escreveu, ainda que seja de forma irônica, aí a coisa passa a ser de mau gosto. Ou seja; no primeiro caso, ele concede ao Hitchens o direito de ser irônico o quanto queira; já no segundo, ele fica todo cheio de pudores…O problema do Paulo não é seu ateísmo em si, mas a falta de coerência. Conheço vários ateus que se dispuseram até a estudar teologia e continuaram ateus, de forma mais convicta. O Luís Felipe Pondé, por exemplo, é ateu (e meio judeu), mas nunca demonstrou esse despeito do Paulo em relação às religiões. Não adianta o Paulo dizer que não tem ódio às religiões. Se isso fosse verdade, ele não teria se incomodado com a pergunta do blogueiro. Eu acho que devemos sim rezar pelo Hitchens. A ironia da pergunta, cuja resposta é óbvia para um crente, decorre exatamente do fato de Hitchens ser quem é. Se o doente fosse o crente, o CH certamente diria algo como “pobrezinho, ele se consola com a idéia do Paraíso” ou alguma outra frase pretensamente espirituosa, saída de seu fleumático cérebro ateu.
Fernando,
as suas conclusoes eh que sao um primor de humm… raciocinio…
1) “Quando um crente, por sua vez, coloca o Hitchens frente ao que ele próprio escreveu…”
crentes o colocam todos os dias frente ao que ele proprio escreveu. E, goste-se ou nao, ele nunca fugiu de um bom debate.
No caso do cancer, ninguem o colocou frente aa nada. Os crentes eh assumem que o cancer, neste caso, seria o momento de se prestacao de contas. Quer um exemplo?
http://www.catholicherald.co.uk/commentandblogs/2010/07/05/perhaps-throat-cancer-will-move-christopher-hitchens-to-a-change-of-heart/
(esse aqui eh um primor. Ele diz que deus abencoou Hitchens com o cancer)
http://blog.nj.com/njv_george_berkin/2010/07/god_is_great_to_christopher_hi.html
Portanto, o seu argumento eh invalido.
Os meus “pudores”, que imaginei existir nos que se dizem cristaos, consistem em combater o inimigo no melhor da sua forma. Esperar que uma doenca terminal seja o melhor argumento para “converter” um ateu eh afirmar a sua total incapacidade de argumentacao.
2) “Não adianta o Paulo dizer que não tem ódio às religiões. Se isso fosse verdade, ele não teria se incomodado com a pergunta do blogueiro.”
Ah, entao apenas uma pessoa que “tem ódio às religiões” poderia se “incomodar” com a pergunta? Que primor de raciocionio hein Fernando? Nao lhe passou pela cabeca que a pergunta para mim eh irrelevante?
Queimar Hitchens como herege no auge de seu brilho seria um ato de maior compaixao do que se oferecer para rezar por ele em seu leito de morte (se eh que ele vai morrer. Nao seria surpresa nenhuma ve-lo combalido em uma entrevista de TV apontando o middle finger para todos os “bondosos” que “rezaram” por ele).
Ô Paulo, você enrolou, enrolou, enrolou, só pra confirmar no fim o que eu tinha dito, que o Hitchens, como bom ateu, ainda deve ficar de nariz empinado até na hora da morte? Essa postura é exatamente a essência do ateísmo, a recusa em tentar entender a natureza da existência humana e reduzir tudo à falência da matéria, se persuadir que é mais racional negar a dimensão transcendental da vida humana diante do mistério da morte. Você se recusa a entender o modo de pensar dos crentes, mas quer julgar o que é compaixão ou não para um crente. Isso não faz sentido, percebe? Veja que intessante: o irmão do Hitchens, o Peter, também levou uma vida desregrada e de putarias como Cristopher, mas voltou a se aproximar da fé e até lançou um livro contando essa história. Vá por mim: estude um pouco mais sobre as religiões. Aí sim você poderá ser um ateu gabaritado a dar opinições sobre as milhares de falhas e incoerências do pensamento cristão, judaico, budista, islâmico e também conhecer as joías raras do pensamento dessas mesmas tradições. Por enquanto você é só mais um ateu revoltado com aquilo que não entende e pelo jeito não quer entender.
Fernando,
como afirmei anteriormente, nao sou ateu. Mas prefiriria ser um ateu “ignorante” do que um crente iluminado como voce.
abs
PS – “que o Hitchens, como bom ateu, ainda deve ficar de nariz empinado até na hora da morte?”
Isso eh que eh “dimensão transcendental da vida humana diante do mistério da morte”….
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