Paris é um seminário, um curso de pós-graduação em tudo, afirmou o cartunista americano James Thurber em 1918, quando trabalhou para a Embaixada dos EUA na França. E é a cidade-luz, e em especial o momento que a transformou em patrimônio mundial histórico (1840 a 1930), que ganha uma exposição no Metropolitan Museum of Art.
Em três postagens, já são duas falando sobre o maior museu de Nova York, mas é difícil não falar dele, devido à quantidade de boas exposições que está abrigando neste momento – e, claro, ao fato de eu visitá-lo quase diariamente, como distração espiritual e também para aproveitar esses destaques.
Acompanhamos pela lente do fotógrafo Charles Marville (1813-79) as profundas mudanças de Paris na segunda metade do século 19. Quase como em um canteiro de obras, em um espaço desolado que parte era implodido e parte reconstruído à revelia de uma população que não sabia bem o que acontecia, Marville era o fotógrafo oficial de Napoleão III e do Barão Haussmann e, rua a rua, em mais de 425 imagens (sendo que 100 estão expostas no Met), registrou a megalomania que arruinaria as pequenas e intrincadas travessas parisienses em grandes bulevares.
Marville, que iniciou a carreira como ilustrador, logo adaptou-se à lógica urbanista e progressista de Haussmann e seus próprios autorretratos revelam um certo estado de espírito que se quebrou: do jovem sonhador no começo da carreira a, mais ao fim, uma postura burocrática, em espelho a uma aristocracia sonhada, depois de ter realizado centenas de trabalhos ao governo da cidade. Muitas das fotos mais revelam um estudo arquitetônico e urbanístico do que uma composição estética: são fotos despachadas em escritórios que serviam de base para a reconstrução da cidade.
As “passages” e a presença de um ou outro personagem na foto (às vezes o próprio Marville) criam o imaginário visual perfeito para o flâneur desencontrado, imortalizado na imagem do albatroz no poema de Baudelaire e nos textos teóricos de Walter Benjamin. Curioso imaginar que esses personagens perdidos nas imagens não são obra do acaso ou do repente fotográfico: o registro de uma imagem na câmera levava minutos. O flâneur ali estava ensaiado, em pose. Não há melhor contraponto nem melhor ironia do que a pose para o errante da Paris de então.
Mais do que estético, as fotos de Marville têm um valor histórico. A possibilidade de acompanhar as transformações de uma cidade com uma arquitetura e um projeto urbano labirínticos e mal planejados, feito para perder-se, em um espaço organizado em vastas e longas avenidas e bulevares que, chamem de homicídio arquitetônico ou não, fez a fama de Paris e alterou a percepção ocidental do que e de como é morar em uma metrópole.
A exposição “Charles Marville: Photographer of Paris” e a instalação paralela “Paris as Muse: Photography, 1840s-1930s” ficam no Met até 4 de maio.