Sabe qual é a razão do povo brasileiro defender o Estado como uma Providência divina e se esquecer dos empresários que fizeram a economia crescer?
Eis a resposta: nunca fizeram filmes sobre eles.
Isso mesmo, você leu corretamente. Se um ou dois empresários brasileiros juntassem os seus dinheirinhos e investissem em um filme que os mostrasse, não como heróis, não como vilões, mas sim como seres humanos, o Brasil teria plena noção da sua importância para o cotidiano.
Vejamos os seguintes exemplos dos EUA, esta nação em que macaqueamos o que tem de pior e não imitamos o que tem de melhor. Garanto que, se não fosse por Orson Welles e seu Cidadão Kane, os americanos não teriam dado a importância que hoje dão para a impresa. Algum engraçadinho argumentará que Hearst – o inspirador de Charles Foster Kane – fez de tudo para destruir a carreira de Welles (o que conseguiu), mas pense bem antes de dizer esta besteira: você acha que se lembraria de Hearst se não fosse por Kane? Você se lembraria de Watergate se não fosse por Dustin Hoffmann e Robert Redford? Lembraria-se da indústria do tabaco se não fosse por Al Pacino e Russell Crowe? Ou quando vê notícias sobre mineiros enterrados no Chile não lhe vem à memória as imagens de um Kirk Douglas querendo tirar a notícia a qualquer custo?
Notem que não eram filmes elogiosos; muitas vezes, são filmes críticos, até ácidos, que vão contra qualquer princípio do capitalismo saudável; contudo, eles são, antes de tudo, obras de arte feitas para conquistar o espectador com sua ambigüidade – e esta tem a vantagem de ser muito mais persuasiva do que qualquer visão de mundo, porque permite ao espectador que construa a história em sua cabeça e o faça julgar por si mesmo.
Ora, por que o Brasil não fez o mesmo? Até agora, o único filme que fez isso foi Tropa de Elite, que mostrou a polícia e a questão do tráfico de drogas como um problema bem cabeludo – e deu no que deu: sucesso de bilheteria e Urso de Ouro em Berlim. (Além de, claro, da criação de um personagem imortal: o Capitão Nascimento)
Logo, os empresários deveriam investir nisso, se quiserem manter uma certa compreensão do povo brasileiro a respeito de suas atividades. Tenho a impressão de que, se não fizerem isto logo, serão jogados na vala do esquecimento e lembrados somente através do filtro do desprezo e do ressentimento.
Mas claro que isso não é culpa somente do povo ou do Estado Previdência. O fardo cai sobre os próprios empresários. Em geral, são incapazes de articular uma sentença com sujeito e predicado. Infelizmente, só pensam em quanto vão ganhar – e quando investem em alguma coisa é sempre para satisfazer o ego ou então para agradar alguma ONG de pretensa caridade que, no fundo, é uma lavanderia de dinheiro sujo.
Além disso, argumentarão que nunca foi feito isso – um filme sobre empresários inovadores – nos termos em que escrevi acima. Pois eu os mostrarei um exemplo recente – que se chama The Social Network.
The Social Network é o novo filme de David Fincher, o nosso velho conhecido de Seven, The Game, Fight Club e Zodiac. Exceto por seu último trabalho, O Curioso Caso de Benjamin Button, ele geralmente costuma a acertar no que faz. Com a ajuda do roteiro de Aaron Sorkin, o mesmo sujeito que nos deu The West Wing, Fincher conta a história de nada mais nada menos do que a criação do Facebook.
A essa altura do campeonato, todos já sabem que não se trata de um filme elogioso. Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, é descrito como um egocêntrico que vende a própria mãe e traí os amigos para realizar a sua ambição. Ao que parece, Fincher não fez uma ode ao capitalismo e sim uma descrição daquilo que diferencia o empresário do resto da sociedade: o daimon do empreendedorismo, a força criativa que leva o sujeito a ser um inovador a qualquer custo e criar um negócio que transformará a sociedade em suas estruturas mais profundas. É algo inexplicável e, de certa forma, envolve um processo alquímico que se assemelha a uma obra de arte: o empresário reflete as suas necessidades mais profundas no negócio e, de forma paradoxal, consegue resolvê-las impondo a um público que, vejam só, também quer encontrar um meio de resolvê-las em suas vidas.
Como bem escreveu David Denby em um artigo sobre o filme para New Yorker:
From the first scene to the last, “The Social Network” hints at a psychological shift produced by the Information Age, a new impersonality that affects almost everyone. After all, Facebook, like Zuckerberg, is a paradox: a Web site that celebrates the aura of intimacy while providing the relief of distance, substituting bodiless sharing and the thrills of self-created celebrityhood for close encounters of the first kind. Karl Marx suggested that, in the capitalist age, we began to treat one another as commodities. “The Social Network” suggests that we now treat one another as packets of information.
Obviamente, o empresário brasileiro tem medo de fazer um filme que, ao mostrá-lo como alguém problemático, traria ao público áreas de sua personalidade que não são muito agradáveis. Mas não deveria ter isso. Afinal, alguém duvida que The Social Network não será um maravilhoso incentivo para os negócios do Facebook? Dizem que Mark Zuckerberg não aprovou o filme – o que é ótimo porque mostra a imparcialidade de David Fincher -, mas isto não significa que ele prejudicará a marca. Querem apostar que, se The Social Network for um sucesso de crítica e público, será a única forma de manter na memória das pessoas o logo do Facebook quando este for substituído pela última moda do momento?
No Brasil, onde uma empresa é engolida por outra ou então as empresas são engolidas pelo próprio Estado, o daimon do empreendedorismo é substituído pelo demônio da amnésia. Fica aqui a dica: empresários do nosso rincão brasileiro, invistam em filmes sobre suas próprias vidas! Dêem liberdade total para os bons roteiristas e os bons cineastas para criarem as obras de arte que vocês precisam! E, claro, se derem tudo isso, pagarem bem e a sua história provar ser realmente uma boa história, saibam que serei o primeiro a fazer isto.
(Como diria John Wayne em The Searchers: That´ll be the day.)
Pô, o Capitão Fábio é imortal também.
Basta lembrar que o Estado tutela o cinema nacional, e todo esse mistério estará resolvido.
“Mauá” é um filme que trazia uma visão romântica de um grande empresário brasileiro, somente considerado bom e justo porque pensava, vejam só, no futuro da nação.
Filmes realistas, sobre quem quer que seja, são uma dificuldade de se encontrar no Brasil. Idealiza-se o sindicalista, o pobre, o nordestino etc.
O Brasil, creio eu, está mais próximo de produzir um Michael Moore que um David Fincher. Temos ojeriza a quem produz e verdadeira fixação por quem saqueia.
Grandes filmes pró-capitalistas são Cinderella Man e Pursuit of Happiness.. ambos da grande recessão americana! São excelentes!! Fica a recomendação.
A todo momento me deparo com situações na vida brasileira que são inspiradoras para um bom roteiro, tanto quanto cenários e personagens. Mas, quando é que o cinema cabeça sairá das cabeças do povinho da cultura?
É um desperdício.