Esquerda e direita e a crítica à Universidade

Uma coisa que me tem chamado a atenção é como as críticas feitas ao estado atual do ensino superior são fundamentalmente as mesmas ao longo de todo o espectro político-ideológico.

Compartimentalização do saber; especialização extremada que não permite mais uma visão do todo; ensino voltado exclusivamente para o mercado de trabalho. Sai-se, não formado, mas formatado.

Esse diagnóstico, e o juízo negativo sobre ele, é algo que poderia vir tanto da esquerda como da direita. Ambos concordam que essa imagem da universidade atual, manifestação do pior lado do pragmatismo, do utilitarismo e do materialismo (no sentido de sobre-valorização dos bens materiais), é terrível. A diferença está nas causas apontadas para esse quadro negativo, e nos ideais almejados.

Um pensador de esquerda, em geral, enxerga fatores econômicos como causa dos fenômenos culturais. Assim, é o desenvolvimento do capitalismo financeiro que está por trás do consumismo que rege a sociedade e da conseqüente subversão da universidade, que serve aos interesses do mercado.

Já alguém da direita enxerga, antes de tudo, causas morais e espirituais. As pessoas são livres para escolher. E é exatamente porque valorizam de forma extremada o dinheiro, os bens materiais e a profissão, que as instituições por eles criadas e perpetuadas refletem esses valores.

Outra diferença, embora menos clara, está nos diferentes ideais de universidade. Com o fato de que a universidade atual vai mal todos concordam. Mas como ela deveria ser? Existe uma tendência na esquerda (embora não seja partilhada por todos) de querer submeter toda a educação a fins políticos. A universidade seria, portanto, nada mais do que um instrumento de transformação social, de politização, tendo por fim último a abolição do sistema capitalista e a instauração de um novo modo de produção.

Já de acordo com a “direita” (aqui certamente o emprego do termo é enganador, pois muitos dos que se identificam como sendo de esquerda também pensam assim), a finalidade da universidade deve ser a formação humana e intelectual dos estudantes. Certamente, quem sai de uma universidade estará melhor preparado tanto para ingressar no mercado de trabalho quanto para trazer contribuições políticas à sociedade; mas essas não são sua finalidade principal. O cultivo do conhecimento e a troca de idéias que se dá no ambiente acadêmico não precisam de motivos exteriores que os justifiquem. A busca desinteressada pela verdade constitui um fim em si mesmo.

Faltou falar dos meios propostos por ambas as correntes para passar do “como é” para o “como deve ser”. Aqui, mais uma vez, esquerda e direita concordam – estão ambos sem resposta.

13 comentários em “Esquerda e direita e a crítica à Universidade

  1. “a finalidade da universidade deve ser a formação humana e intelectual dos estudantes.”

    Pensadores de esquerda não discordariam desta formulação. É um tanto quanto “maroto” colocar a diferença aí. Mais correto seria definir o que significa a “formação humana” para cada um dos lados da questão, até por ser um termo vago.

  2. Mas é exatamente o que eu disse no texto, Vinícius. Muitas pessoas de esquerda concordariam com essa finalidade para a universidade (nem todas!), a busca da verdade como um fim em si mesmo.

    Já outros enxergam a função da universidade, e da “formação humana” que ela dá, como servir de mecanismo de algum tipo de mudança política ou econômica na sociedade.

  3. Pingback: De novo, para que estudar? — O Indivíduo

  4. Acho que não me expressei bem, ou me expressei de modo incompleto. O que desejava apontar é que a raiz da diferença está na concepção de formação humana que se tem de um lado e de outro. Isso gera diferenças no modo de ver cada uma das possíveis “formações”: o estudo da História, da Geografia, da Filosofia, das Letras… Em suma, ambas as correntes perseguem, majoritariamente, a “formação humana”. A questão é saber o que significa exatamente este “humano” de cada lado (o que está esboçado, mas não centralizado, no texto). À parte isso, concordo com teu texto na essência.

  5. Não existe uma contradição necessária entre a busca pela verdade e a transformação social, porque a própria busca pela verdade pode ser vista como uma ferramenta de transformação social.

  6. É verdade, Vinícius. De fato, o mesmo termo, usado por ambos os lados, pode estar escondendo concepções diferentes.

    Erick, concordo com você. Tentei expressar isso no texto, ao dizer que a pessoa que passa pela universidade tem inclusive condições de participar da política de sua sociedade.

    Mas a busca pela verdade, embora possa constituir uma ferramenta de transformação social, pode também não constituir. Ou seja, não é da essência dela que seja assim, embora possa sê-lo.

  7. Pingback: A resposta do mercado « De Gustibus Non Est Disputandum

  8. De fato, a universidade está mal. Pouco tempo lecionando e encontro-me diariamente frente a frente com alunos mal preparados anteriormente, que não são capazes de pensamento lógico, estruturado e claro. Pra vocês terem noção: corrigindo uma prova da história um aluno me escreve “feldalismo”…isso mesmo: “feldalismo”. E olha que era um curso inteiro sobre a transição feudal-capitalista. Duro, né?

  9. Quando a busca pela verdade é desde o princípio vista como ferramenta, finda por orientar-se por um outro objetivo que a simples verdade em si.
    A mente não se contenta até achar “a verdade”
    que satisfaça o objetivo almejado.
    Ainda mais no caso de transformações sociais
    , usualmente carregadas de motivações emocionais que ofuscam a visão.

  10. O ensino superior em nossa terra é a banalização da mediocridade. Ser medíocre é a última moda da estação. Pior ainda: o cúmulo do absurdo é procurar uma universidade para ser mais medíocre ainda. Como se isso fosse possível. Seria o mesmo que um doente moribundo procurasse um médico morto.

  11. Esquerda e Direita, no Brasil, realmente não tem proposta nova e nem modelo ideal de Universidade. Isso indica, no mínimo, que nos interessamos e por isso entendemos pouco de educação, principalmente de educação superior.
    Garanto uma coisa, para mim que sou de direita, é dificil estudar na UVA, Universidade onde estudo em Sobral, CE, onde só tem maluco de equerda.

  12. “O jovem não tem razão pra viver; ele tem pretexto.” Ortega y Gasset

    Por saberem que isto era uma verdade contemporânea na Espanha de Franco, terra natal do filósofo e escritor acima citado; os espanhóis recomendados à leitura de sua obra, os governantes daquele Estado, obtiveram com esta análise literária, um salto qualitativo e quantitativo de alcance meritório no índice mundial de educação. Parece que estamos em igualdade com a Espanha franquista de Gasset, porquanto é exatamente o que está em voga neste fórum de dialética materialista: “ Esquerda e Direita e a crítica à Universidade.”
    Não seria isto o efeito mesmo que “esquerda e direita” ipso facto, no Brasil e no mundo, querem produzir sendo eles, tese-antítese-síntese causal, estabelecendo tão somente: uma dialética materialista. Paralisando e imbecilizando toda manifestação de real “formação humana”?
    “Sei que nada sei”, foi o que Sócrates, pai da verdadeira dialética, que está em busca da verdade pura e simples, disse. Isto ele disse, sabendo que se ele, que tivera a clarividência de dizer que nada sabia, ironicamente, quanto mais seus algozes ignorantes, alguma coisa poderiam saber senão, frases preconcebidas e decorosas expressão de sofismas incontestes.
    Conquanto a isso, não repreendo ao Sr. Joel Pinheiro por sua nobre iniciativa, mas a Juventude, que ainda deixa-se levar por lentos pretextos intelectuais do establishment.
    E, como diria Karl Kraus: “Tic-tac dos tác-ticos” e também: (Digo isso sem a mínima intenção de sátira). “Certas situações, transcendem a possibilidade de satirizá-las.”

  13. Parabéns pelo artigo, Joel. Pouquíssimas pessoas na vida, fizeram a distinção correta entre direita e esquerda.

    Você fez – e bem feito, diga-se — em poucas linhas.

    Parabéns.

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