Vejam a edificante história abaixo:
“Oh, bella Italia! A Itália mostra aos imbecis europeus com quantos paus se faz uma canoa” – esclareceu o blog ‘Fakten Fiktionen’ na quinta-feira:
“Esta é a resposta ao Juiz turco de Estrasburgo!”.
O Blog narra os fatos: “O prefeito de San Remo, Maurizio Zoccarato, está colocando uma cruz de dois metros no prédio da prefeitura!”
A cidade de San Remo encontra-se no extremo noroeste da Itália.
Ao mesmo tempo Zoccarato exigiu que todos os diretores de escolas afixem cruzes nas salas de aula.
Segundo o blog ‘Fakten Fiktionen’, em toda a Itália inicia-se uma competição para mostrar isso aos juízes de Estrasburgo”.
Na cidade de Busto Arsizio, perto de Milão, a administração municipal hasteou as bandeiras da União Européia em frente aos prédios oficiais a meio mastro.
Um enorme crucifixo está resplandecendo há pouco tempo diante da façada do Teatro Bellini de Catania, na Cicília.
Inúmeras comunidades italianas encomendaram novas cruzes para as suas escolas.
A cidade Sassuolo, na província de Modena, no norte da Itália, encomendou cinqüenta novos crucifixos. Eles deverão ser pendurados em todas as salas de aula em que ainda não houver algum.
O Ministro da Defesa Ignazio La Russa abordou o tema da defesa nacional espiritual em uma discussão de TV: “Todas as cruzes devem permanecer penduradas, e os opositores da cruz que morram, juntamente com essas instituições aparentemente internacionais!”
A comunidade Montegrotto Terme, com 10.000 habitantes – onze quilômetros a sudoeste de Pádua –, anuncia em placas de néon: “Noi non lo togliamo” – Não vamos ceder.
O prefeito da cidade de Treviso, no noroeste da Itália, resumiu a situação muito bem: “Encontramo-nos no reino da demência, essa é uma decisão que clama por vingança. O tribunal deve processar a si mesmo pelo crime que cometeu!”
O prefeito de Assis sugeriu que, além dos crucifixos, fossem colocados também presépios nas salas de aula.
O prefeito da cidade de Trieste esclareceu que tudo permaneceria do jeito que está.
A Câmara de Comércio romana pediu que as lojas pendurassem crucifixos.
Na comunidade Abano Terme – onde mora a ateísta militante finlandesa que reclamou do crucifixo – haverá protestos amanhã em frente das escolas a favor da Cruz de Cristo.
O prefeito de Galzignano Terme, na província de Pádua, Riccardo Roman, ordenou colocação imediata de cruzes em todos os edifícios públicos – não somente escolas, mas também na Prefeitura e museus.
Dentro de duas semanas a polícia irá conferir se a ordem foi obedecida, caso contrário haverá uma multa de 500 Euros.
O autor de ‘Fakten Fiktionen’ está maravilhado: “Bravo! Vou descansar alguns dias lá no ano que vem! Deve valer a pena!”
O Prefeito Maurizio Bizzarri, da comunidade de Scarlino, na Toscana do sul, impôs uma multa de 500 Euros para aqueles que retirarem uma cruz dos prédios públicos.
Na cidade Trapani, no extremo oeste da Sicília, o Presidente e o assessor do governo da província encomendaram 72 cruzes com recursos próprios.
Na cidade de Neapel apareceu uma pichação que dizia: “Se arrancar a cruz, eu arranco a tua mão fora!”
‘Fakten Fiktionen’ se dá por vencido: “Lamento, preciso parar, mas parece que não existe nenhuma cidade sem resistência.”
(Via Fratres in Unum e Kreuz.net. Não sabem alemão? Usem o Joongle.)
Agora, por favor, façam o seguinte exercício de imaginação. Pensem que, em vez de ser uma cruz, trata-se de uma foto de alguém que você admira há muitos, muitos anos. E não é somente você – é toda a sua família e, por uma questão de admiração à pessoa que está na foto, os seus vizinhos resolvem seguir o mesmo procedimento. Por conseqüência, tornou-se um hábito, um costume, ver aquela foto e usá-la como meio de reflexão, de admiração, uma forma de você pensar sobre os problemas da sua própria vida. Mas então vem uma lei, de uma outra cidade, de alguém que não conhece aqueles costumes, aqueles hábitos, e diz que você não pode ter mais a foto pendurada na parede – e se continuar a fazer isso, terá uma vultuosa multa a pagar, além de outras sanções.
Bem, foi o que aconteceu recentemente na Itália. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – o nome já diz tudo sobre a farra burocrática que deve ser essa repartição – decidiu que a escola pública italiana Vittorino da Feltre pagaria uma indenização de 5 mil euros a Soile Lautsi, cidadã italiana de origem finlandesa, que se sentia incomodada com o fato de que havia crucifixos na sala onde estudavam seus dois filhos pequenos. Segundo a decisão do Tribunal, a presença do crucifixo significa “uma violação dos direitos dos pais de educarem seus pais segundo suas convicções” e da “liberdade dos alunos”.
Sim, vocês já sabem o que está por trás desta decisão. Aquela palavrinha usada e abusada, que todos adoram: “tolerância”.
Mas qualquer um com dois dedos na testa sabe que isso não tem nada a ver com “tolerância”. Tem a ver com um fenômeno recente e que até mesmo os cristãos têm medo de chamá-lo pelo seu verdadeiro nome: cristofobia.
Contudo, se fizermos o exercício de imaginação que pedi acima, perceberemos que o que está em risco é a própria noção de justiça sob a qual a tal da tolerância é fundamentada.
Em um texto magnífico escrito em 2001, The Fair of Tolerance, o escritor Claudio Magris (que é da esquerda italiana, mas também um intelectual de primeira categoria, com um ceticismo saudável em relação a qualquer espécie de utopia revolucionária) argumenta que, para manter a unidade da Europa, é necessário ter noção de que a tolerância só pode ser justa se for observada a existência de certos princípios não negociáveis. Em outras palavras (que o próprio Magris cita, ao fazer referência à Antígona, de Sófocles): as leis não escritas dos deuses, aquilo de que não se pode negar a existência de forma alguma porque é a base da realidade onde o ser humano vive. E quem negar isso, cairá naquele alçapão da loucura que Dostoiévski descreveu tão bem como “tudo é permitido”. Quando tudo está permitido, então o caos tornou-se uma instituição.
Essas leis não escritas são compreendidas sempre à luz da razão humana e consistem neste centro de experiência comum que compõem e solidificam não só a cultura européia, como também a cultura ocidental. É justamente essa experiência comum e permanente para todos que Magris identifica como a verdadeira “laicidade”. Ser “laico”, afirma o escritor de Trieste, não significa ser contra a religião; significa respeitá-la como uma experiência factual e que molda outras culturas; significa usar a luz da razão humana para compreender que existem outras coisas além da nossa vã filosofia; significa que, para a religião que moldou o continente respeitar qualquer outra religião, esta não pode desrespeitar os princípios não-negociáveis e vice-versa.
A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é intolerante porque não respeita o fato de que o crucifixo é o símbolo da cultura européia por excelência – além de, obviamente, demonstrar ignorância histórica. O fato de Soili Lautsi expressar a sua insatisfação sem ser apedrejada – e ainda mais, ser ouvida por uma tribuna de magistrados internacionais – vem da mesma existência factual e comprovada deste crucifixo. Não se trata de um mero sinal geométrico; não se trata de um mito; trata-se de um símbolo que aponta para um fato ainda mais pertubador: a de que um dia você ou a própria Soili podem estar lá também, metaforicamente ou não.
Portanto, o que os bravos italianos estão a fazer com sua resistência pacífica é mais do que justo em tempos em que a tal da tolerância é usada para propósitos totalitários. É verdadeiro – e com a verdade não se brinca.
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Importante lembrar que essa resitência não é nova. Há alguns anos o Tribunal COnstitucional Alemão decidiu que os crucifixos deveriam ser retirados das escolas. O estado da Baviera não concordou com a decisão, publicou nova lei, e manteve as cruzes penduradas.
Acho que uma diferenciação se faz necessária: a cruz como elemento de, digamos, pregação religiosa e a cruz como identidade cultural e histórica. No momento que ela passa a ser usada para o primeiro fim, deixa de ser legítima a sua permanência. Se, no entanto, permanece como elemento da cultura “européia”, não há contradição jurídico-institucional.
Uma reação desmesurada para uma ação desmesurada. Isso não tem nada a ver com resistência. É a velha e conhecida estupidez humana (de ambas as partes, deixo claro)seguindo seu curso, inalterada.
Que cansaço!
Fantástico! Viva a Itália!
Sona, sona Carmagnola…
In hoc signo vinces!
A reação do povo cristão italiano é emocionante.
Obrigado por divulgar isso, Martim.
É nessas horas que me orgulho ainda mais do sangue carcamano que corre em minhas veias!
E a “velha estupidez humana”, quando do lado anti-Cristão, é ainda mais estúpida, ainda mais brutal, ainda mais totalitária – não importa o que os ridículos ateístas militantes, as feministas, os gayzistas, os “negróides” profissionais, ou seja, a esquerdada toda (cambada de seres patéticos que só querem aparecer!) afirmem.
A preguiça (cansaço?) de pensar mata os calhordas politicamente corretos.
Um pequeno reparo: a cidade de Neapel, que aparece no texto não é outra senão la vecchia e bella Napoli. Em bom português, Nápoles.
Ainda há esperança!!
A decisão anticristã da Corte Europeia de Direitos do Homem está aqui, na íntegra (disponível apenas em francês):
http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=857724&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&tabl
Um resumo em inglês:
http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=857732&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649
Um aspecto particularmente triste: a Câmara que julgou o caso era composta por nada menos que sete juízes (o Presidente era o belga Françoise Tulkens, e os demais juízes eram de Portugal, da própria Itália, da Lituânia, da Sérvia, da Hungria e da Turquia) e a decisão foi proferida por unanimidade: 7 x 0. Nem um único desses juízes, não obstante a diversidade de suas procedências étnicas e culturais — nem mesmo o próprio juiz italiano — considerou toleráveis os crucifixos nas paredes de salas de aula de escolas públicas. É impressionante a força da ideologia laicista nos meios jurídicos da Europa — que, aliás, têm uma enorme influência sobre a classe jurídica brasileira e latino-americana em geral.
Quanto à sanção imposta pela Corte: ela não ordenou a retirada dos crucifixos das salas de aula, pois não tem poderes para tanto. Porém, condenou a República Italiana — isto é, os contribuintes daquele país — a pagar à mãe ateísta militante uma indenização de 5 mil euros (equivalentes hoje a cerca de 13 mil reais) como reparação do dano moral que ela alega ter sofrido. O caso ainda não acabou: o governo italiano anunciou que recorrerá da decisão junto à Grande Câmara da Corte. Antevê-se, porém, que será difícil a reversão da decisão.
É fácil prever que, em caso de êxito final da mãe ateia, organizações secularistas tentarão articular campanhas pan-europeias para encher essa Corte de pedidos de indenização contra os países que ainda mantém qualquer tipo de reconhecimento público a Cristo, ao Evangelho, às igrejas cristãs e seu legado, usando o ativismo judicial como forma de pressão pela supressão total de Cristo na vida pública europeia (e ainda aproveitar para, nesse meio tempo, faturar uma boa graninha às custas dos contribuintes europeus).
Nós também estamos sujeitos a esse tipo de pressão. A partir de 1998, por decisão do então Presidente Fernando Henrique, o Brasil se submeteu à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (cujos juízes, formados na mentalidade prevalecente nas escolas jurídicas do continente, invariavelmente consideram a Corte Europeia como modelo e referência). E o art. 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos reproduz quase que textualmente as disposições respectivas da Convenção Europeia, que a Corte Europeia considerou desrespeitadas no caso Lautsi.
Convenção Americana (ver art. 12): http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-32.html
Convenção Europeia (ver art. 9):
http://conventions.coe.int/Treaty/EN/Treaties/Html/005.htm
Protocolo I à Convenção Europeia (ver art. 2):
http://conventions.coe.int/Treaty/EN/Treaties/Html/009.htm
Ironicamente, as disposições desses tratados foram redigidas com a clara e nobre finalidade de assegurar a liberdade religiosa e de educação religiosa. Mas agora, décadas depois de sua ratificação, a sua interpretação pervertida pela ideologia secularista predominante permite que sejam usadas pelos juízes laicistas de nosso tempo como a principal arma para a aniquilação dessas mesmas liberdades.
“Esta é a resposta ao Juiz turco de Estrasburgo!”.
“Todas as cruzes devem permanecer penduradas, e os opositores da cruz que morram, juntamente com essas instituições aparentemente internacionais!”
O prefeito de Galzignano Terme, na província de Pádua, Riccardo Roman, ordenou colocação imediata de cruzes em todos os edifícios públicos – não somente escolas, mas também na Prefeitura e museus.
Dentro de duas semanas a polícia irá conferir se a ordem foi obedecida, caso contrário haverá uma multa de 500 Euros.
Na cidade de Neapel apareceu uma pichação que dizia: “Se arrancar a cruz, eu arranco a tua mão fora!”
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Surreal que ninguém tenha sentido aqui – na Dicta, alguns dos comentaristas aparentemente sentiram muito bem – o tom profundamente Fiamma Tricolore da coisa toda…
Já é hora de revista e/ou site analisarem com cuidado as tentações totalitárias identificadas no catolicismo (e no islamismo, bem antes da onda atual) por diversos pensadores liberais – dentre os quais o professor uspiano Roque Spencer Maciel de Barros, autor do excelente O Fenômeno Totalitário; enquanto fingirmos que a luta da Igreja não pretende outra coisa que não preservar exatamente o que restou do mundo pré-laicismo – laicismo que combateu com unhas e dentes enquanto foi possível, inclusive no Brasil -, não teremos lá muita moral para criticar a manutenção exatamente desses arraigados costumes admirados por todos – como certos enforcamentos de sodomitas malditos, por exemplo – no glorioso mundo maometano…
Concordo quando se aponta o totalitarismo presente nas falas de algumas autoridades italianas. Mas, sinceramente, acho isso café pequeno perto do que o Tribunal Europeu tentou fazer com relação ao uso de crucifixos nas repartições públicas. E não digo isso apenas por qualquer identificação pessoal com o Cristianismo, mas também por notar diferenças entre uma decisão de uma corte internacional e as falas irritadas de autoridades e anônimos locais. Quanto às consequências de cada uma das atitudes, é pior aquele mal que impõe uma mudança artificial numa cultura do que aquele que não passa de bravata ou de punições financeiras de pouco peso, nada mais que uma redistribuição de recursos dentro de um mesmo organismo. Quanto às causas, o processo que chegou à autoridade européia é motivado por um descontentamento individual e desvinculado de qualquer ameaça contra a liberdade do indivíduo. No caso das falas das autoridades italianas, surgiram como resposta a uma provocação concreta e que interfere diretamente em costumes estabelecidos de uma sociedade. Por causa dessas diferenças, ainda sou a favor de se combater o mal maior, mais forte e mais autêntico.
Tratando da reclamação da mocinha, que papo é esse de um ateu se sentir ofendido por um símbolo religioso? Reflexos inconscientes de crises existenciais? Se se sente ofendido com uma cruz, quanto mais quando encontra um cristão trabalhando ao seu lado! Deve ser um escândalo para um ateu que o serviço público aceite essa gentinha queimadora de bruxas. Esses cristãos deviam estar todos presos pela culpa de assassinatos herdados! Além do mais, a Igreja combate o laicismo, não é óbvio?
A verdade é que quem levou a discussão para o campo do conflito são os que reclamam dos crucifixos. Ora, o crucifixo esteve na parede durante séculos e ninguém nunca se sentiu ofendido, mesmo os laicos mais puristas e esclarecidos. Como já se disse, a cruz é o símbolo maior de todo o ocidente e, num certo sentido, representa um sacrifício inspirador para cada homem nas suas relações com os outros. Visto assim, não há nada mais fundamentalmente democrático e ético. De forma que vale a pergunta: em que o crucifixo na parede interfere negativamente nos assuntos de um Estado democrático ou ameaça a separação entre sua atuação e a da Igreja? Vai dizer que o Estado democrático está com medo de uma revolução cultural católica? Só se fosse no Brasil…
O que parece mais coerente com os fatos é admitir que virou moda adotar um discurso vitimista mentiroso a fim de utilizar uma autoridade estabelecida como forma de impor aos outros determinado ponto de vista, este sim, conforme o próprio instrumento que usa para se afirmar, de caráter totalitário. Ou seja, finjo-me de vítima para fazer e camuflar as vítimas verdadeiras – e Girard está aí para quem quiser lê-lo, não é? Esse mercado do vitimismo é que é a grande sensação do momento, a ponto de tornar nebulosa a diferenciação entre o enforcamento de sodomitas e uma tradição singela, inofensiva e nobre. Vou correr, antes que não sobrem mazelas da moda em promoção, com as quais eu possa manipular a liberdade dos meus algozes, oprimi-los e humilhá-los!!
Por isso, também as medidas adotadas pelo Estado italiano, longe de flertarem com um totalitarimo, apenas tratam de defender os seus próprios princípios e proteger os cidadãos inocentes da tirania de um discurso mentiroso.
Marcelo,
O “ofendeu” da moça é tosco, concordo absolutamente contigo; pelo que conheço da Itália atual, é pouquíssimo provável que o filho pretensamente aviltado pela cruz seja submetido a qualquer doutrinação religiosa em sala, menos ainda vítima de algum bullying docente(?) ou discente por ser infeliz prole da atéia local – embora a ação da mãe provavelmente tenha gerado alguma coisa nesse sentido, a considerar o tom das falas destemperadas de autoridades públicas várias. Seguindo por aí, talvez você esteja certo em outro ponto também: que rancores e ressentimentos não seriam os motores reais da ação da mulher? Por que tanto incômodo com a cruz?
O problema é que seguir por essa seara algo psicologizante é bastante complicado; se ela tem “crises existenciais” a motivá-la, você não teria também as suas próprias a explicar a produção de um longo, bem escrito e erudito(Girard!) comentário em blog mais ou menos obscuro, ao menos em parte uma resposta bastante articulada a um interlocutor que pessoalmente ignora, no caso eu – que teria minhas próprias motivações ignoradas também, evidentemente? Não teria você seus próprios “reflexos inconscientes” para defender a pertinência da cruz nas escolas e, mais genericamente, nos prédios equivalentes do Detran carcamano ou da PMERJ lombarda? Ou o católico – ou afim “identificado pessoalmente com o cristianismo”, apenas supondo a crença que seu belo texto não explicita – está sempre existencialmente resolvido, ao contrário do que reza a própria tradição do Agostinho angélico e, me aventuro aqui, do próprio crucificado em pauta? Ainda que fosse isso, por que uma hipotética existência menos ressentida deveria ter privilégios de foro na cidade? Seria o caso de traçarmos perfis psicológicos dos envolvidos na querela – e concluir, evidentemente, que “a mocinha” vê a castração na cruz e os catolicíssimos(suposição baseada em discurso e estatísticas) senhores prefeitos do post mencionado, no afã de espalhar cruzes por todo o canto, estão apenas reagindo nobremente ao barbarismo ateu, infesos a todo freudismo, existencialismo,etc?
No meu comentário anterior, nem entrei no mérito da causa em si – me ative, como você bem percebeu e criticou, à reação (aparentemente decantada no post) das autoridades italianas à decisão de Estrasburgo; se é o caso de comentar sobre o centro da questão, sou sucinto e molusco: é uma babaquice inegável pedir a retirada dos crucifixos, mas a luta atroz (romântica, patética e com contornos apocalípticos) dos católicos para mantê-los é uma bobagem tão ou mais profunda. Retirados, cairíamos num “alçapão da loucura”?? O “caos”(!!!) teria se tornado “uma instituição”?? Perto disso, a afetação da mocinha – por que “mocinha”, a propósito? que “reflexo inconsciente” o explica? – parece até de uma enorme razoabilidade…
Deixando a ironia fácil de lado, até porque realmente gostei do seu comentário: cara, porque tanta briga católica pela manutenção dos crucifixos nas salas? Que a Igreja queira preservá-los, é compreensível – como falei, ela busca manter o que lhe resta dentro do Estado, os resquícios (há outros, por todo o Ocidente: feriados santos, por exemplo) dos nada remotos séculos nos quais não ser católico era um problema real* em boa parte do mundo – e a Igreja o aplaudia entusiasticamente. O desagradável é ver católicos mais ou menos liberais – ou ao menos não expressamente ultramontanos; parece ser seu caso – produzindo metafísicas as mais tortuosas para dizer que não há absolutamente problema algum entre Estado laico e crucifixo em escola, delegacia, tribunal…
Fechando aqui: não, não acho que um crucifixo em escola italiana é um problema para qualquer ateu do país; acho apenas – é a História quem me diz – que ele é parte do que resta não apenas de uma tradição cheia de méritos inegáveis, mas também de um passado no qual Estado e Igreja estavam sim relacionados de forma extremamente íntima.
Abraço.
* – Dê uma olhada, por exemplo, no bom livro “Protestantismo, Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil”, de David Gueiros Vieira, professor da UNB e, pelo que entendi do livro, ele mesmo protestante. Lá, fica bem claro que a famosa Questão Religiosa brasileira não se limitou em absoluto às relações entre Igreja, Estado e Maçonaria, mas incluía também uma luta profunda dos católicos conservadores brasileiros (incluindo aí o “heróico” D.Vital) para, seguindo a Constituição do Império, simplesmente impedir no Brasil uma coisinha bem prosaica, a saber: o proselitismo religioso não-católico… E isso simplesmente em fins do século XIX, o que para a história é mais ou menos como ontem.
É, Felipe, tendo a concordar com a essência do seu ponto. Há sim uma tendência para um autoritarismo católico também, que é má.
Acontece que, na minha experiência, essa tendência é fraca hoje em dia na Igreja. A grande maioria dos católicos (católicos de verdade, não só de IBGE) defende sim a liberdade religiosa e não se escandalizaria nem um pouco se, visitando ou morando por exemplo num país muçulmano, visse símbolos religiosos muçulmanos nas escolas e prédios públicos. Nada mais natural. É algo que o próprio papa tem frisado.
Minha intenção ao falar sobre reflexos de crises existenciais em nenhum momento pretendia sugerir que tê-las é exclusividade deste ou daquele grupo. E você tem razão: também tenho minhas crises existenciais e meus reflexos inconscientes a motivar minhas opiniões, inclusive quando defendo que o Vasco passou a ser penta-campeão (é com hífen?) brasileiro. De qualquer forma, reflexos inconscientes ou não, isso parece ser irrelevante para o problema em discussão, ou seja, o caráter totalitário de certas atitudes. Ou então, acho que seria necessário supor que todo reflexo inconsciente ou crise existencial possuem essa característica totalitária; o que, apesar de aparentemente ser uma solução para a questão, me parece falso. E, além do mais, somente o inconsciente não leva ninguém a entrar com um processo em alguma corte.
Não é uma mocinha? Pensei que fosse…
Girard é sinal de erudição? Mas eu já estava achando que era leitura relativamente popular, já que tanta gente fala dele… Que chique!! Vou seguir o modelo de um post antigo deste blog obscuro: passarei a usar gravata borboleta e deixarei crescer as suíças.
Belo post. Muito bom saber.
A discussão está muito boa. Não sei se continuará, mas quero fazer um aparte.
Não creio que seja correto abusar do termo “totalitarismo”, como tenho visto por aí. Mesmo para a abjeção e o horror tirânicos, é necessário observar as gradações. A rigor, foram plenamente totalitários (perdoem-me as sombras da redundância) o nazi-fascismo e o comunismo. Às demais e numerosíssimas ditaduras do século XX, o termo “autoritarismo” seria mais adequado. No autoritarismo, a vaidade do líder carismático ocupa uma posição preponderante, e dificilmente ele está disposto a precipitar a si mesmo e a todo o país numa hecatombe revolucionária e idealista. O líder autoritário faz expurgos pontuais e um uso mais calculado do terror. É mais maquiavélico e menos suicida. Nada disso exclui, é claro, que certas variantes do autoritarismo, sobretudo o populista, tenham se aproximado dos ideais totalitários.
O que caracteriza o totalitarismo, a meu ver, é a tentativa de criar uma espécie de sacralidade estatal, de manter as massas num clima permanente de terror e histeria, alimentados pela esperança de que a atividade política é capaz de trazer um simulacro da redenção.
De fato, bom thread. Mais em face do post, ou do excelente comment #9, traduzo duas ou três obviedades aqui e ali esquecidas. Quem as propõe é o scholar jesuíta Samir Khalil Samir, em livro de 2002. Não sei reproduzir o itálico original, então coloco em letras de imprensa. “CULTURALMENTE, qualquer italiano agnóstico é tão cristão quanto eu, um árabe cristão, sou CULTURALMENTE muçulmano. Em outras palavras, ainda que os italianos em geral não sejam mais cristãos praticantes, a maioria vai se declarar ou perceber como cristãos na fé. (…) [É] claro que os valores e ideais que caracterizam o continente europeu são quase impossíveis de explicar sem reconectá-los à tradição cristã, a qual, assimilada com as tradições greco-romana e judaica, constitui o fundamento da Europa. (…) Não é por acaso que a idéia secular em favor da separação de Igreja e Estado, a separação entre fé e política, desenvolveu-se no Ocidente (…)[; ou que] as formulações mais claras do que são direitos humanos surgiram no Ocidente(…) A razão fundamental para isto é a inspiração cristã da civilização ocidental que, ao longo de centenas de anos, foi também capaz de integrar os valores seculares do helenismo e de outras culturas.” E ainda pergunta: quando um europeu fala em respeito à alteridade referindo-se a outras culturas, queira ou não define essa alteridade a partir de um desenvolvimento histórico-cultural que tem por eixo o cristianismo.
Aí no final do post, onde se lê “ainda pergunta”, leia-se “ainda recorda”.
Pingback: Política e religião (10) - Entre a cruz e o Estado | Mauricio Serafim - Blog Educacional
Grande povo italiano! Resistindo aos delíros dos burocratas de Estrasburgo!
…
Ricardo,
“Reação desmesurada” e “estupidez humana” é o caralho! Volte para a ONG que o gestou!
Ah…para evitar confusões o Ricardo a que me refiro é o do 3º comentário…
Pingback: Viagem à Itália II – O Natal é para todos | Dicta & Contradicta
Existir é resistir, assim parece que existir é mais complexo do que na verdade o é. Existir é confiar… confiar que nada poderá abalar aquilo que mais do que consagrado pelos anos, está vivo, e sempre estará para aqueles que crêem; por mais dúvidas existenciais que surjam.
Não sejam homens tentando gritar mais alto que os outros, sejam cristão pelo amor!
Se o objetivo daquela ateia foi causar danos a cruz, conseguiu, quando aqui, longe de todas as cruzes, pelo visto, homens se agridem verbalmente em defesa do Único que disse, “se o meu reino fosse desta terra”.
Não quero com isso dizer, não façamos nada a aplaudamos a retirada das cruzes. Mas talvez essa seja a hora em que mais do nunca é preciso ser cristão. É preciso ter perdão, para ver que alguém por melhor que seja, e por mais ateu que se declare, é um homem de menos fé do que eu, portanto merece que assim o trate. Não imbecilizando, ou diminuindo, mas humildemente respeitando-o.
Afinal, ela se manifestou, piores aqueles que julgaram-na. Dada a manifestação é justo que seja feita a defesa. Mas por que os juizes deram a causa a ela? São ateus, judeus, agnósticos, e cegos? Ou será que pecamos no dia em que deixamos que pensassem que a fé pode estar em julgamento humano? Uma cruz, é um símbolo, mas temos de ter mais que o símbolo em nós para sermos capazes de sustentá-lo. A Europa está em crise, não agora com essa ateia, ela está a anos em crise, quando os homens deixam de trabalhar aos domingos apenas por pragmatismo, mais que escrever sobre o assunto rezemos também por ele.
A ignorância também pode vir camuflada de belas palavras. E se aplica a mim também, estou comentando porque fico profundamente ofendida ao ler comentários como o de número 20, que a Dicta mantenha sempre o alto nível, que é evidente no site.