Melhores do ano – Parte III

File:Bryan Ferry - Olympia.jpg

Se Túlio Borges, nosso candango favorito, e Jonas Lopes, nosso pequeno gênio, podem mostrar a sua seleção de melhores do ano de 2011, por que não eu, trabalhador incansável neste in partibus infidelium?

Portanto, lá vai:

Filmes

A safra de filmes 2010 foi relativamente fraca. Da minha parte, vi e revi muitos clássicos antigos e recentes, mas os dois melhores filmes deste ano foram coincidentemente estrelados por Leonardo Di Caprio – Shutter Island, de Martin Scorsese, uma meditação trágica sobre a escolha da realidade, e Inception, uma diversão subversiva sobre a nossa falta de originalidade.

Outros filmes que merecem a nossa menção são o italiano Vincere, de Marco Bellochio, que deveria ser visto como uma aula de como não podemos negociar com nenhuma espécie de tirania (e ainda com o brinde de ver uma interpretação poderosa de Giovana Mezzogiorno); Tetro, de Francis Ford Coppola, que, mesmo com sua irregularidade, nos dá os 40 minutos finais mais poderosos do cinema recente, provando que o velho Coppola ainda consegue fazer Cinema com C maísculo; e The Social Network, em David Fincher tenta emular o Howard Hawks de Jejum de Amor e nos dá algumas cenas implacáveis sobre o ressentimento que guia a sociedade atual.

Da minha revisão de clássicos, tiro o meu chapéu para Akira Kurosawa que, com o seu quarteto sobre a hybris, Os sete samurais, Trono manchado de sangue, Kagemusha e Ran, dá um curso intensivo de filosofia política que muita gente precisa, especialmente no Brasil.

E, por falar em Brasil, não podemos nos esquecer de Tropa de Elite 2, o filme de José Padilha, com co-roteiro de Bráulio Mantovani, que fez o cinema brasileiro entrar definitivamente na idade adulta.

Televisão

Se o cinema foi claudicante, não se pode dizer o mesmo de sua irmã menor, a Televisão. Neste ano de 2010, descobri duas obras-primas do gênero, que aumentaram as possibilidades dramáticas de como contar uma história: The Wire, de David Simon, e The Sopranos, de David Chase. Há de se fazer também uma menção honrosa a Deadwood, de David Milch, uma minisérie que deveria ser assistida junto com uma leitura sistemática de A democracia na América, de Alexis de Toqueville.

Da escola de David Chase saíram duas das melhores séries realizadas entre 2009-2010: Mad Men, de Matthew Weiner, e Boardwalk Empire, de Terence Winter, com produção executiva de Martin Scorsese.

Já na TV aberta, a grande série do momento é The Good Wife, que consegue estabelecer as ousadias de The Sopranos e The Wire para um público menos sofisticado. E as decepções foram Lost, com seu final constrangedor, e House, que caiu no lugar comum do água com açucar.

Livros

Os dois livros recentes que me impressionaram e que foram lançados neste ano no Brasil são Às cegas, de Claudio Magris, um dos livros definitivos sobre o funcionamento da mentalidade revolucionária, e Até mais, vejo você amanhã, de William Maxwell, uma pérola sobre culpa e amizade. Magris é talvez o único escritor europeu que pode ficar frente a frente com Mario Vargas Llosa no quesito abrangência e ambição; e Maxwell foi editor de ficção da New Yorker, revisando contos de escritores como Updike, Nabokov e Salinger, e provando que, na hora de criar, é do mesmo patamar de todos eles, mesmo com uma obra feita na surdina.

E falando em Vargas Llosa, como fui incubido de entrevistá-lo para a Dicta 6, tive de ler toda a sua obra, do início ao fim, fiz exatamente isso. Ainda não cheguei ao último romance, O sonho do celta, mas estou quase lá. Contudo, de todos os seus livros, o que me deixou mais surpreendido foi A festa do bode, uma obra-prima de maturidade, o ápice de tudo aquilo que o escritor peruano sempre desejou realizar.

Na minha leitura de clássicos, o prêmio vai para a minha redescoberta das obras completas de Dostoievski, que agora estão lidas com lápis e papel na mão, e A democracia na América, livro essencial para se entender o que acontece no mundo justamente agora.

Entre as editoras, temos de fazer menção às três grandes do mercado editorial: a Companhia das Letras, com  a iniciativa Penguin Clássicos, a Record, pela ousadia de ter enfrentado a turma de Luiz Schwarcz e ter provado que tinha razão, mesmo com toda a mídia querendo dizer o contrário, e a Cosac Naify, que publicou O outono da idade média, de Johan Huizinga, e Os embaixadores, de Henry James, em volumes de altíssima qualidade.

A outra editora que ainda tem muito o que fazer é a É Realizações, que expandiu consideravelmente o seu catálogo com obras de René Girard, Xavier Zubiri, Bernard Lonergan e Eric Voegelin, além de ter lançado o melhor romance da literatura brasileira atual, As almas que se quebram no chão, de Karleno Bocarro.

E da parte que nos toca, nem preciso dizer do relançamento de As horas de Katharina, editado pela Record, organizado pelo IFE e que, independentemente do que se diga sobre Bruno Tolentino, não há como se negar de que se trata de um dos maiores livros de poesia já feitos.

Música

Um dos grandes problemas entre os chamados jovens conservadores – que não são jovens coisa nenhuma, são apenas velhinhos que se vestem como hipsters – é que eles desprezam a música pop e ficam arrotando sobre as benesses da música erudita, como se soubessem Bach e Mahler a torto e a direito.

Da parte que me cabe, música pop, o velho e bom rock-n´-roll são tratados como arte – e vá para o brejo quem quiser me confrontar com argumentos pseudo-eruditos.

Assim, digo que o melhor álbum do ano é Olympia, de Bryan Ferry, que mostra como se faz rock com elegância. Cheio de referências à primeira fase do Roxy Music, Olympia tem o charme de uma noite regada a sexo que depois desembocará na ressaca da realidade. Contudo, tudo isso acontece com muita finesse – algo complementado com a visão de nossa Olympia atual, uma Kate Moss rechonchuda para os seus próprios padrões e que mostra a destruição dos abusos do tempo em suas linhas antes tão angelicais.

Agora, se você procura redenção, vai encontrar em The union, álbum que reúne Elton John e Leon Russell; o primeiro se mostra aqui como uma diva pop que se arrepende de uma vida desregrada; o segundo, já destruído por uma vida que quase caiu no esquecimento, volta como o troubadour evangélico e mostra que sempre foi um estranho numa terra estranha. Nunca gostei de Elton John – a visão dele cantando Candle in the wind no funeral de Lady Di ainda me provoca pesadelos – mas dou meu braço a torcer desta vez e afirmo que ele produziu uma obra-prima.

The union foi produzido por T-Bone Burnett, que também ajudou Elvis Costello em seu National Ranson, um ciclo cômico sobre o capitalismo nos EUA. Costello mostra seu habitual brilhantismo em composições intrincadas que, mesmo para um ouvinte muito sofisticado, devem soar excêntricas.

É isso. Esta foi a minha lista de melhores do ano de 2010. Quem quiser reclamar, a caixa de comentários está para isso mesmo, obviamente dentro das regras da boa educação.

 

4 comentários em “Melhores do ano – Parte III

  1. Passei o final de semana pesquisando sobre Javier Marias e Juan Jose Saer. A tentação de comprar os livros é muito grande. Mais duas notas: pena que não exista um escritor de língua portuguesa que faça um romance cerebral, uma ficção misturada ao ensaio. Ao menos que eu saiba, não lembro de ninguém. E fico feliz em encotrar na Dicta, no Martim e no Jonas Lopes a figura do maître das letras, aquele que no dá as chaves para bons livros e filmes, já que o tempo é pouco para perdermos tempo encontranto, ao menos para meros trabalhados padrão como eu. E já estava de saco cheio de ouvir falaar de livros como Leite Derramado e outras bobagens.

    P.S.: agradeço pela dica do livro AS ALMAS QUE SE QUEBRAM NO CHÃO. Como dói pensar nas horas que perdi com o livro do Chico Buarque.

  2. Angelo:

    O artigo faz sentido. Paulo Bezerra é, de fato, um dos scholars dostoievskianos que preferem encarar a religião e o conservadorismo político do autor russo como “contingências” dispensáveis, se assim se quiser, à compreensão de sua obra. Mas não acho que ele consiga causar danos reais aos livros que traduz. Para amenizar o ataque à mentalidade revolucionária em Os Demônios seria necessário fazer como Lênin e proibir o livro.

    O problema das traduções indiretas é que elas homogeneizam o texto; todos os personagens falam do mesmo modo, a confusão dos narradores vira eloquência de salão. As traduções da Rachel de Queiroz são horríveis, completamente amaneiradas e rebuscadas onde se devia ser tosco e obscuro. Achei o mesmo das traduções de José Geraldo Vieira: parece que você está lendo francês.

    Enfim, acho que você deve ficar com a 34 mesmo. Que os tradutores sejam comunas ceguetas, paciência: Dostoiévski é maior do que eles. Há a vantagem de que eles (Bezerra e Schnaiderman) são da escola “concreta” de tradução, em que se trata o texto como uma coisa viva, com partes independentes, cujo aspecto formal deve remeter sentido, e isso se aproxima da técnica do próprio Dostoiévski.

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