Roger Scruton está frequentemente certo, mas costuma ser irritante na mesma frequência. Em Culture Counts, por exemplo, em meio a bons argumentos sobre a importância da alta cultura, defende que o ensino e transmissão dela não têm como fim o benefício do indivíduo que a recebe. Quem é o beneficiário visado, então? Resposta inicial: a própria cultura. É curioso que ele veja uma dissociação entre o bem do estudante e o bem da cultura, mas até aí tudo bem; é defensável em alguma concepção ultra-platônica da ordem das coisas, o que é respeitável. Só que em breve fica claro o real sentido dessa estranha posição: o bem visado não é nem o do receptor e nem da cultura considerada como uma entidade abstrata; é o bem da sociedade. No mínimo ultrajante; pois é óbvio que, embora toda a sociedade (os fazendeiros, os comerciantes, os acadêmicos, os músicos, as donas de casa, as empresárias) se beneficie de que pessoas transmitam e contribuam com a cultura, nem por isso é ela (ou seja, os membros que não transmitem e contribuem) a finalidade do processo. Se minha meta fundamental é ajudar os outros, vou socorrer os desabrigados das enchentes no Rio (um fim nobre, diga-se de passagem), e não estudar em minúcias as concepções de intelecto agente em Vital de Furno e Mateus de Aquasparta. Qual a causa de cegueira tão grande em Scruton? Parece-me que é a rejeição a qualquer coisa que cheire a individualismo, que perpassa toda a sua obra com efeitos em geral deletérios.
Enquanto minha mente faz essas considerações, contudo, a leitura segue indolente e chega a passagens em que Scruton analisa peças musicais. E aqui me deparo com um gigante inigualável. Sua exposição não só deixa claro o domínio do autor sobre o tema, mas é também capaz de torná-lo palatável a alguém como eu, analfabeto musical.
Neste texto do começo de 2010 para a The American, temos Scruton em sua melhor forma tratando do seu melhor tema. O artigo é muito similar a um publicado na The American Spectator na mesma época (linkado aqui no site meses atrás), mas com uma grande vantagem: uma análise detalhada de várias obras, tanto clássicas como populares, com vídeos delas anexados. Scruton não apenas fala, mas mostra onde, como e por quê certa música é construtiva ou destrutiva do espírito, o que faz a boa e a má música pop, e porque a erudita está num patamar destacado. O grande mérito dele é decantar seu profundo conhecimento musical de tal forma que um leigo absoluto possa ler e – acredito – entender pontos sobre a estrutura musical de uma peça e o que ela representa em termos sentimentais e filosóficos. Não é pouca coisa, dado que tanto do que se lê por aí oscila entre o técnico impenetrável e o vulgar mais boçal. Beneficio-me muito do amor de Scruton pela música; e bem sei que não sou eu e nem outros como eu a finalidade desse amor.
Obrigado por postar esses links de Roger Scruton. Gosto dos textos que ele escreve, mas já fazia algum tempo que não o lia. Obrigado por lembrar.