Um romance não é apenas uma boa história – é também sobre uma idéia que nos perturba há muito tempo. Logo o catalogam de “romances de idéias”, mas é uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Até mesmo Otto Maria Carpeaux, esse gigante que usava o papel de jornal para lançar seus pensamentos, não gostava muito do gênero – e, uma vez, atacou Thomas Mann justamente por isso, alegando que ele escrevia mais um ensaio do que propriamente um drama.
Rebecca Goldenstein, autora de um romance razoável sobre Kurt Gödel (Incompletude), discordaria disso. Em uma seleção de cinco melhores livros de idéias para o Wall Street Journal, apresentou uma lista impecável, que chega ao topo com um dos meus romances favoritos: Herzog, de Saul Bellow. Mas sobra espaço para o próprio Thomas Mann (que comparece com uma pérola que poucos conhecem, O Eleito), George Eliot e até mesmo a minha querida Iris Murdoch; talvez para a lista ficar verdadeiramente perfeita, eu acrescentaria O homem sem qualidades, de Robert Musil, Os sonâmbulos, de Hermann Broch, e qualquer romance de Dostoievski, seja os de menor ou de maior fôlego (respectivamente, Memórias do Subsolo e Os Demônios).
Tudo isso para fazer a seguinte pergunta: será que a literatura brasileira já fez algo parecido no gênero ou ela também sofre de esterilidade até mesmo nesse formato? Eis um drama para as gerações futuras pensarem.
Eu consigo pensar em “Lições de Abismo”, do Corção. Livro que aliás recebeu de Álvaro Lins crítica idêntica à de Carpeaux a propósito de Thomas Mann.
Meio aleatoriamente. Rosa fica perto da ininteligibilidade sem Platão (o platonismo de GR é estudado por Heloisa Vilhena, vg, no “Roteiro de Deus”). Machado, famosamente, encontrou em Corção alguém que soube aproximá-lo do Eclesiastes (cf introdução dele à pequena coletânea “Machado”, Clássicos Agir; Pedro Sette Câmara lembra disto numa resenha em algum lugar da web). Sobre “Lições de Abismo”, um pouco pedante mas leitura das melhores, foi adaptado para o palco e rendeu um brilhante monólogo de Roberto Mallet em 2006 (assisti em SP): http://www.pedrosette.com/2006_02_01_archive.html Algumas referências sobre romance católico no Brasil: http://www.pucsp.br/rever/rv4_2006/p_schincariol.pdf Valeria recordar ainda, vg,Lúcio Cardoso (“Crônica da Casa Assassinada” virou filme com música de Jobim, se não me engano gravada também no álbum “Matita Perê”).
Caramba! Vim aqui só para falar do “Lições de Abismo” – não conheço mais nenhum outro.
E não é que se adiantaram!
Talvez alguma coisa – pouca – da Clarice Lispector?!
Hmm, José Geraldo Vieira?!
Se romance de idéias for aquele em que se sobressai a reflexão à ação, e descontada a comparação com lista tão heterogênea, poderíamos dizer que a Terra de Santa Cruz o gênero com o último romance de Machado, o Gonzaga de Sá de Lima Barreto, os livros dos três porquinhos do nosso catolicismo literário, Lúcio Cardoso, Octávio de Faria e Cornélio Penna.
A Pedra do Reino de Suassuna e Cabeça de Negro de Paulo Francis.
Olavo de Carvalho responde: Assinem e assistam “A literatura no Brasil hoje”, http://www.seminariodefilosofia.org/node/1006.
Canaã, de Graça Aranha.
“será que a literatura brasileira já fez algo parecido no gênero ou ela também sofre de esterilidade até mesmo nesse formato?”
Perguntinha bem-babaca, hein?! As poucas e boas respostas acima quiçá comecem a responder. Talvez seja melhor ler os romances brasileiros antes de fazer generalizações e suposições dessa arrogância.