O eterno-retorno do mito

Em uma das cenas do admirável filme Der Baader-Meinhof Komplex (não sei nada de alemão, mas como a película sequer chegou ao Brasil, a tradução capenga será mais ou menos “A Facção Baader-Meinhof”), um assessor pergunta ao ministro Horst Herold (interpretado por Bruno Ganz, que já foi de tudo no cinema, de anjo a Adolf Hitler) qual era o motivo dos terroristas persistirem em seus atos insanos, Horst apenas responde: “Um mito”.

Para quem não sabe, o nome do filme é simplesmente uma referência à RAF (Rote Armee Fraktion), Força Armada Revolucionária, também apelidado de a gangue Baader-Meinhof, por causa de seus integrantes mais famosos, o terrorista Andreas Baader e a jornalista-que-depois-se-tornou-uma-terrorista Ulrike Meinhof.

A facção – ou melhor, em termos técnicos, a célula – espalhou o terror não só na Alemanha Ocidental, ainda combalida pelas mazelas do nazismo, mas também pela Europa inteira, quando ocorreram os atentados nas Olímpiadas de Munique em 1974 (uma forma de “protesto” pelo fato de os integrantes da RAF estarem presos), além do famoso “Outono Alemão”, em que membros importantes da elite financeira da Alemanha foram seqüestrados ou mortos.

O filme, dirigido por um Uli Edel em estado de graça (é surpreendente saber que ele foi o diretor de Christiane F. e, pasmem, Corpo em Evidência – sim, aquele filme com a Madonna) e produzido pelo mesmo Bernd Eichinger que fez A Queda – Os últimos dias de Hitler, é um thriller político repleto de tensão e que teria como excelente complemento a leitura de Blood and Rage – A Cultural History of Terrorism, de Michael Burleigh (livro que, aliás, ganhou uma resenha no terceiro número da revista Dicta&Contradicta).

Depois de vê-lo, é claro que chego à conclusão de que um filme com tamanha coragem jamais seria feito no Brasil, onde o terrorismo e a guerrilha são glorificados com subsídios e pompas estatais (para quem não se lembra, é só rever O que é isso, companheiro?, mas acho que não pediria isso nem para o meu pior inimigo).

Contudo, o importante aqui não é o filme em si, mas o comentário de Horst Herold. O que motiva um terrorista não é a política ou o mero poder. É um “mito”.

Podemos saber qual é este “mito”? Inúmeros estudiosos tentaram decifrá-lo: desde Norman Cohn (The Pursuit of Millenium), passando por Eric Voegelin (não há propriamente um livro dele a respeito do terrorismo, mas podemos usar o seu método em Hitler e os Alemães para entender o que se passa na mente de uma pessoa que vive na Segunda Realidade), até Michael Burleigh e, mais recentemente, Olavo de Carvalho.

De todos, talvez foi o brasileiro que encontrou o elo perdido. Para Olavo, há uma ligação íntima entre a mentalidade revolucionária e a mentalidade terrorista. Não se trata de coisas diferentes, como alguns ideólogos de plantão querem que você pense; trata-se exatamente da mesma coisa.

Isso significa que, se um agit-prop acredita que suas ações são pacíficas porque ele não usa da violência, ou ele é um ingênuo ou é um calhorda. Porque um disseminador de cultura revolucionária (seja da esquerda ou até mesmo da direita, se existisse alguma por aqui) quer impor a sua visão ideal das coisas deste mundo, logo ele sabe que só pode impor por um meio: a violência, seja a psicológica, seja a física. A primeira pode se dar através da manipulação das palavras; a segunda, é óbvio, se dá através da ação prática – e isso inclui atentados com bombas, técnicas de guerrilha e outras variantes que não são próprias para discutirmos em um blog de família.

A mentalidade revolucionária-terrorista sonha com o “mito” da transfiguração do mundo, de transformá-lo na utopia de seus sonhos, algo que, como todos sabem (alguém sabe aí que utopia significa lugarnenhum?), jamais acontecerá porque o mundo é um palco opaco, em que os milagres só são percebidos se entendermos que eles acontecem o tempo todo.

É este processo que se torna fascinante observar no filme sobre a gangue Baader-Meinhof, ao ver a espiral descendente da qual a jornalista Ulrike entra. Ela começa como a típica jovem dos anos 60, dançando seu rock-n´-roll, escrevendo seus panfletos sobre a liberdade, até que, a partir do momento em que sua vida pessoal sofre um revés com a traição do marido, não há nenhum norte a seguir, exceto o da ação terrorista. Desde o início, a sua mentalidade era revolucionária; faltava apenas um passo para se tornar uma apóstola do terror.

É por isso que os intelectuais, assessores governamentais e jornalistas jamais conseguirão entender uma forma de combater o Terror. Não estamos a lidar com algo racional; como escreveu David P. Goldman, a.k.a. Spengler, o xis da questão está na forma de como lidar com o Mal Lógico – Radical Evil na expressão dele. A filosofia secular não pode explicar tais atos apenas com seus instrumentos supostamente progressistas; temos que buscar algo mais.

Onde? E o quê? Sinceramente, não sei. Mas que há algo prestes a acontecer, disso eu não tenho dúvidas.

10 comentários em “O eterno-retorno do mito

  1. Pingback: Daily News About Cinema : A few links about Cinema - Tuesday, 26 May 2009 08:05

  2. O “combate ao terrorismo” é só um pretexto para a imposição de um estado policial. Essa desculpa esfarrada começou a ser usada em larga escola após os primeiros atentantos ao World Trade Centre em 1993 e Oklahoma City em 1995. Foi nessa época que o então presidente Clinton aumentou o poder de polícia do estado (com os fingerprint scanners e as frequentes batidas policias em estradas). Em outubro de 2001 foi a vez de Bush fazer a manobra final com assinatura do PATRIOT Act, que deu ao governo federal total poder de polícia, sempre sob pretexto de “proteger a população” da gang de Bin Laden. Desde que o Obama subiu ao poder a venda de armas de fogo só tem aumentado (http://www.voanews.com/english/2009-05-14-voa68.cfm). Milhões de (bons) americanos estão acordando para o fato de verdadeiro terror vem do próprio governo. Thomas Jefferson (1743-1826), terceiro presidente americano, resumiu precisamente o que ocontece quando o cidadão pede para o Estado cuidar de sua segurança: “Anyone who trades liberty for security deserves neither liberty nor security” (Aquele que troca liberdade por segurança não merece nem liberdade nem segurança).

  3. É, no mínimo, interessante e talvez demandasse alguma reflexão, a coincidência temporal entre o nascimento daquilo que Olavo de Carvalho chama de “mente revolucionária” e a revolução axial que Charles Taylor ( e Roger Scruton ?) aponta no post que o Leal nos trouxe em outro tópico.

  4. O comentário de Pretzel, me parece, é típico do libertarian abstratista firmemente apegado a princípios como “não intervenção do Estado em hipótese alguma”, “não crescimento do Estado sob nenhuma justificativa”, mas destituído de informação sobre os fatos da realidade política. Será mesmo que as ameaças à segurança dos norte-americanos são “pretextos” para aumentar o poder do Estado e que não há sérias evidências de que uma a segurança daquele país está gravemente ameaçada? Os libertarians americanos, como os que mantém o site Anti-War, são candidatos a representarem novamente o patético papel do Primeiro Ministro Chamberlain. Prefiro o pessimismo político de Martim Vasques da Cunha e de Olavo de Carvalho.

  5. Vinícius,
    A crise econômica é o aspecto mais superficial do real problema nos EUA. Por baixo dela esconde-se uma grave crise constitucional (recomendo assistir a excelente aula – http://www.youtube.com/watch?v=tpUXGOqO1r0&feature=related). Eu nem sei o que você realmente tentou dizer com “libertarian abstratista” ou “pessimismo político”. Você está obviamente confundindo realismo com pessimismo (o Martim e Olavo não estão sendo pessimistas. Eles estão escrevendo sobre a realidade po!). Infelizmente o mundo não é bonito com você deseja meu amigo. Para entender crise atual nos Estados Unidos tem que primeiro sacar o papel que o Federal Reserve teve na concentração de poder e também a relação das sociedades e organizações secretas com o jogo político no país (Já ouviu falar na seita Skulls and Bones na Yale University?). Inclusive, sobre o Federal Reserve tem uma frase pessimista – porém realista – do ex-presidente Abraham Lincoln (1809 – 1865): “Eu vejo, num futuro próximo, uma crise se aproximando que me inquieta e faz temer pela segurança do meu país. As grandes corporações foram entronadas, uma era de corrupção se instalará nos altos escalões e o poder do dinheiro, neste país, imporá à força o seu reinado, contra o interesse do povo, até que a riqueza esteja concentrada em poucas mãos e a república destruída”.
    Pretzel

  6. Wagner: pelo que pesquei do texto linkado de OC, a coincidência que você aponta se dá, na realidade, entre a emergência da “mente revolucionária” e a virada contra si própria daquilo que o Taylor chama de “revolução axial”. Quanto menos “axial”, mais determinado é o sujeito ou a sociedade por uma lógica de domínio: como já ouvi de alguém, poder de mando, não importa o rótulo, em detrimento do poder de criar, que eu associaria ao perdão e à ironia do Scruton (quem sabe também a vinhos que prestem nas ocasiões certas…).

  7. Leal: Ok, corijo-me e aponto, então, a coincidência temporal entre o surgimento da “mente revolucionária” e a “contra-revolução axial”! Mas creio que você já respondeu à minha indagação. Obrigado.

  8. Pequena correção: as olimpíadas de Munique ocorreram em 1972. Em 1974 o que ocorreu foi a Copa do Mundo na Alemanha Ocidental.

  9. Obrigado pelas dicas, Pretzel. Chamo de “libertarian abstratista” o teórico político excessivamente apegado aos princípios de uma doutrina que prega a não intervenção estatal e a diminuição do aumento do Estado, sem atentar para as conseqüências práticas da aplicação destes princípios. Por exemplo, execram a conscrição obrigatória, as restrições legais à imigração, o aumento da carga tributária para fins militares, etc. porque tudo isto aumenta poder do Estado, mas diante das intenções hostis de inimigos norte-americanos a não adoção destas políticas ou o enfraquecimento do Estado ameaçam seriamente a segurança nacional. Indago estes libertarians não minimizam os riscos e ameaças reais que para os EUA. Quando me referi ao “pessimista político” me referi àquele que, diante da incerteza do futuro, procura vislumbrar as possibilidades de que o pior aconteça para melhor se preparam para ele.

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