Exceto por um ou outro caderno cultural que fez o devido anúncio da mostra que o CCBB realiza este mês sobre a obra de John Ford, parece que o público paulistano – que está mais preocupado com uma Bienal que mata os presidentes do País e se escandaliza com pichações performáticas – se limita a cerca de 70 pessoas por sessão para as películas deste gênio da sétima arte.
Nada disso assusta. Afinal, se há algo que caracteriza a vida e a obra de John Ford é a persistência de se manter em um exílio interior que se mostra cada vez mais íntegro e, por isso mesmo, cada vez mais melancólico.
A prova desta atitude não está apenas no próprio Ford, que alegava de forma simples que “fazia westerns” e que era rude ao extremo só para disfarçar o seu bom coração. Está, obviamente, em todos os seus filmes.
Vejamos O homem que matou o fascínora, de 1962, considerada como sua última obra-prima. Seu assunto não é um mero duelo de bangue-bangue entre James Stewart e Lee Marvin (com uma pequena ajuda de John Wayne nas sombras) e sim a própria democracia americana. É um filme que, como bem disse Sérgio Alpendre, deveria ser ensinado no estágio Fundamental para as crianças e, quando estas se tornassem adultos, colocado lado a lado em uma edição comentada de A democracia na América, de Alexis de Tocqueville.
Ou então vamos voltar um pouco mais e relembrarmos as imagens que abrem e fecham The Searchers, talvez o grande épico sobre o fardo de ser um Homem com H maíusculo nos nossos dias. Ali temos a história de Ethan Edwards que, depois da Guerra da Secessão, decide não ter mais uma família, decide não ter mais ninguém, e olha tristemente para a harmonia que seu sobrinho mestiço conseguiu, indo em direção ao Monument Valley, sempre a se perguntar o que significa a canção que fecha o filme: What makes a man to wander?
Não é à toa que os dois personagens principais destes filmes são interpretados por John Wayne, um sujeito que parecia não fazer nada na tela, mas sabia dar um chute como poucos e transmitir uma sensação de obstinação como poucos. Ford gostava tanto dele que não percebia como era bom (acredite, os amigos fazem isto entre si) e queria enquadrá-lo em um estereótipo que, quando Wayne conseguiu escapar disso em Rio Vermelho, de Howard Hawks, o Homero das Pradarias disse que “puxa, então o filho da puta sabe atuar!”.
John Ford é o cineasta do exílio interior porque, feliz ou infelizmente, esta é a nossa condição natural – quem quer se manter íntegro em um mundo corrompido paga um preço caro demais para isso. Ou é esquecido pelas pessoas que amou ou é excluído de qualquer participação em uma simples harmonia comunitária. Ele nos ensina a triste lição que a vida dá aos pouquinhos e em goles bem amargos: a de que quanto mais tempo passa, ficamos cada vez mais sozinhos, vivendo em uma prisão onde é melhor ficar na solitária.
Pingback: John Ford: o cineasta do exílio - Blog do Yuri
Excelente artigo. O cinema seria menos cinema, sem obras como “Vinhas da Ira”, “No Tempo das Diligências” e “Rastros de Ódio”.