Leszek Kolakowski morreu no dia 17 de julho e até agora tudo que saiu na grande imprensa nacional se resume a uma notinha na revista Veja. “O que mais você queria?” – dirá algum leitor – “Quem afinal se interessa por mais um intelectual polonês que morreu no exílio?”
Escrevo este post para dar uma idéia de como estamos em descompasso com o resto do mundo – e para mostrar a importância que deram a “mais um intelectual polonês que morreu no exílio”. Até agora foram publicados apenas estes obituários no mundo anglo-saxão: New York Times, Los Angeles Times, London Times, Slate, Telegraph, Open Democracy, The New Criterion, The Weekly Standard, Daedalus, Daily Times, The Guardian, The New Republic, Finacial Times, The Economist.
Depois de uma lista como essa, a única alternativa é reconhecer nosso provincialismo. Nossos jornalistas provavelmente nem saberão o que aconteceu no dia 17 de julho. Se soubessem, sentiriam-se como os ingleses na foto aí de cima.
E já que o assunto é esse, não vou perder a oportunidade de mostrar mais um lado fascinante de Leszek Kolakowski. Além de ter escrito o melhor estudo sobre o Marxismo já publicado, além de ser um excepcional ensaísta, ele é mais um a mostrar que um texto engraçado pode ser a nossa melhor arma.
O que vai abaixo foi publicado na Harper’s Magazine de novembro de 1990 e depois em Modernity on Endless Trial. Aproveitem…
The General Theory of Not-Gardening: A Major Contribution to Social Anthropology, Ontology, Moral Philosophy, Psychology, Sociology, Political Theory, and Many Other Fields of Scientific Investigation
Leszek Kolakowski
Those who hate gardening need a theory. Not to garden without a theory is a shallow, unworthy way of life.
A theory must be convincing and scientific. Yet to various people, various theories are convincing and scientific. Therefore we need a number of theories.
The alternative to not-gardening without a theory is to garden. However, it is much easier to have a theory than actually to garden.
Marxist Theory
Capitalists try to corrupt the minds of the toiling masses and to poison them with their reactionary “values.” They want to “convince” workers that gardening is a great “pleasure” and thereby to keep them busy in their leisure time and to prevent them from making the proletarian revolution. Besides, they want to make them believe that with their miserable plot of land they are really “owners” and not wage-earners, and so to win them over to the side of the owners in the class struggle. To garden is therefore to participate in the great plot aiming at the ideological deception of the masses. Do not garden! Q.E.D.
Psychoanalytical Theory
Fondness for gardening is a typically English quality. It is easy to see why this is so. England was the first country of the industrial revolution. The industrial revolution killed the natural environment. Nature is the symbol of Mother. By killing Nature, the English people committed matricide. They are subconsciously haunted by the feeling of guilt and they try to expatiate their crime by cultivating and worshipping their small, pseudo¬natural gardens. To garden is to take part in this gigantic self-deception which perpetuates the childish myth. You must not garden. Q.E.D.
Existentialist Theory
People garden in order to make nature human, to “civilize” it. This, however, is a desperate and futile attempt to transform being-in-itself into being-for-itself. This is not only ontologically impossible; it is a deceptive, morally inadmissible escape from reality, as the distinction between being-in-itself and being-for-itself cannot be abolished. To garden, or to imagine that one can “humanize” Nature, is to try to efface this distinction and hopelessly to deny one’s own irreducibly human ontological status. To garden is to live in bad faith. Gardening is wrong. Q.E.D.
Structuralist Theory
In primitive societies life was divided into the pair of opposites work/leisure, which corresponded to the distinction field/house. People worked in the field and rested at home. In modern societies the axis of opposition has been reversed: people work in houses (factories, offices) and rest in the open (gardens, parks, forests, rivers, etc.). This distinction is crucial in maintaining the conceptual framework whereby people structure their lives. To garden is to confuse the distinction between house and field, between leisure and work; it is to blur, indeed to destroy, the oppositional structure which is the condition of thinking. Gardening is a blunder. Q.E.D.
Analytical Philosophy
In spite of many attempts, no satisfactory definition of garden and of gardening has been found; all existing definitions leave a large area of uncertainty about what belongs where. We simply do not know what exactly a garden and gardening are. To use these concepts is therefore intellectually irresponsible, and actually to garden would be even more so. Thou shalt not garden. Q.E.D.
Bom, ao menos a Dicta&Contradicta deu sua contribuição e lembrou-se de homenagear “mais um intelectual polonês que morreu no exílio”.
Já é grande coisa, pessoal. Continuem com o bom trabalho.
Ele e o Henrique teriam sido bons amigos.
Texto genial, if you get the point!
Sensacional !!!
A editora Civilização Brasileira está com um projeto de publicação das obras dele: http://www.record.com.br/novidades_cada.asp?id_novidade=167 .
Caros,
Tomei a liberdade de traduzir o texto de Kolakowski e de publicá-lo no meu blog “Observatório de Piratininga”.
Agora sim, o endereço correto: http://observatoriodepiratininga.blogspot.com
Guilherme, O Globo publicou um obituário também, até mais significativo que a notinha da Veja – ainda que muito aquém dos obituários anglo-saxões, de fato.
Mas aparentemente nem na página da Dicta ele é assim tão bem frequentado hehe: cliquei na tag referente ao homem e notei que os links para Thompson x Kolakowsky em “O Fim da Utopia” estão quebrados, simplesmente. Como o post é de 28 de julho, parece mesmo que até a massa erudita foge de textos longos em blogs – ninguém reparou, ninguém clicou nos links…
Abraços.
Felipe:
os links para os textos do Kolakowski e do Thompson estão “quebrados” devido a problemas do servidor da revista Social Register, não por causa dos links em si.
E o texto chama-se “A Força da Utopia”.
M.
Ok, Martim, mas apontar a fonte responsável pela condição “quebrada” dos links não os torna menos “quebrados”, ou seja, inúteis – a menos que suponhamos um futuro e apenas hipotético surgimento dos textos nesses mesmos links, a ser percebido e avisado aqui – nem altera o ponto fundamental do meu comentário, a afirmação de que aparentemente ninguém antes de mim se deu ao trabalho de clicar nos links para visualizar e eventualmente ler os textos referidos no post – é isso ou devemos supor que pelo menos alguém o fez, identificou a falha e deixou por isso mesmo, ignorando que o fato talvez escapasse a vocês, preocupação importante no meu comentário.
De toda forma, só quis mesmo indicar a falha e sugerir – sem pretender qualquer mudança no excelente site – que o grosso das pessoas, mesmo aqui, se interessa fundamentalmente apenas pelo superficial e funcional das coisas – até leram o post, mas se assustaram mesmo com as 20 páginas do Kolakowski e nem conferiram os links. Só uma hipótese, só um caso, mas algo que talvez tenha muito mais a ver com temas de blog e revista do que parece à primeira vista – e que nem pretende ser de fato o que pode também parecer, uma condenação simplória da futilidade humana ou algo assim; na verdade, pode ser até uma relativização(outra, para além do factual; obituário respeitável em O Globo, pelo menos) do antibrasileirismo algo Mainardiano desse post aqui…
Abraços.