Em 2010 uma serpente emplumada me mordeu e fui tomado de um interesse febril pelos povos meso-americanos. O foco desse interesse estava no primeiro encontro deles com os europeus, que é sem dúvida um momento capital da história universal. Ao mesmo tempo, resultou numa das maiores tragédias da história que foi a destruição dos povos, civilizações e culturas que aqui viviam antes de chegarem as caravelas. A febre já passou, provavelmente para nunca mais voltar. A cura se deu quando cheguei a uma conclusão óbvia, já sabida por muitos, e mesmo por mim, de antemão, mas agora vista com clareza. Deixe-me traçar brevemente o itinerário que percorri.
Nunca fui daqueles que vêem os conquistadores como grandes vilões e os nativos como astrônomos hippies amantes da natureza. Contudo, aprendi que igualmente falsa é a representação do mundo asteca como um reino de horror idolátrico e bestial em níveis dignos de Lovecraft. A história real é bem mais interessante. E uma boa fonte, pela qual comecei, é ler o relato de Bernal Diaz del Castillo, um dos soldados de Hernán Cortés (soldado ralé, o que lhe deixava relativamente isento dos interesses dos poderosos) na expedição que culminou na tomada de Tenochtitlán. O que dali emerge é, em primeiro lugar, uma história contingente, acidental, que poderia ter sido muito diferente. Em nenhum momento há um plano consciente de dominação; há oportunidades que são agarradas no calor do momento; há tentativas de amizade e paz, enganações e armadilhas dos dois lados. Durou pouco a impressão de que os espanhóis fossem deuses, embora o apelido tenha permanecido; durou pouco também o horror aos cavalos, que logo estavam sendo sacrificados, junto com soldados capturados, à vista do acampamento espanhol para lhes meter medo. Em um episódio dramático, os conquistadores foram quase dizimados e tiveram que fugir desesperados cada um por si. A varíola chegou casualmente, trazida por um escravo negro; Bernal nota o contágio estranhamente forte entre os indios. Acima de tudo, é uma história de personagens singulares, como Gerónimo de Aguilar, padre franciscano que precedera os conquistadores e que vivera por anos como prisioneiro numa cidade nativa até ser resgatado e tornar-se intérprete de maia do grupo (outro sobrevivente, numa vila próxima, atingiu condição de proeminência e preferiu a nova vida a juntar-se aos espanhóis); La Malinche, a nativa de Tabasco que, além de entender tanto nahuatl quanto maia, tornou-se amante de Cortés e deu-lhe seu primeiro filho homem, considerado o “primeiro mestiço”; Montezuma, o rei asteca, alternadamente astuto e pueril, que embora feito refém pelos conquistadores tornou-se amigo de todos, levando os raptores a chorarem sua morte acidental numa escaramuça (e maldizerem o frade que ainda não o tinha catequizado devidamente).
Dentre todas as figuras notáveis, entretanto, uma se eleva sobre as demais, particularmente forte e enigmática: o próprio Hernán Cortés. Movido ao mesmo tempo por sede de poder e pela lealdade para com seu imperador e colegas, colecionador de amantes e defensor zeloso do Catolicismo, Cortés é um daqueles personagens tão singulares que se pode dizer que, tivesse não existido, o rumo de nossa história teria sido outro. Nada o explica perfeitamente. Sua campanha ia contra os desejos das autoridades espanholas estabelecidas na América, e num momento decisivo ele teve que convencer exércitos espanhóis que vinham combatê-lo a se juntar a ele. Suas cartas, outra leitura indispensável, são um incessante jogo de tecer relações favoráveis com as autoridades locais e com o Imperador para que ninguém entrasse em seu caminho. Ao chegar numa cidade nova, tratava de estabelecer um trato amigável com os chefes, o que lhe seria útil mais à frente. Ao mesmo tempo, fazia questão de instituir o Cristianismo à força, mesmo que de forma tão desastrada e turrona que lhe prejudicasse a estratégia de conquista. Havia um frade no grupo (além de Aguilar, o tradutor resgatado), que, talvez devido a sua experiência com a fraqueza e inconstância humanas, aconselhava uma conduta prudente e tolerante: deixe os nativos com seus ídolos e vícios, evangelizemo-os aos poucos, de forma que eles possam entender a religião e queiram se converter. Cortés não queria nem saber; chegava à nova cidade, queimava os ídolos, erguia uma cruz e um altar à Virgem e ordenava que práticas pagãs (sacrifícios humanos, canibalismo) cessassem imediatamente sob ameaça de guerra. Talvez mais que a sede de poder, guiava-o o desejo da aventura e do heroísmo. Era ele, então, o resultado concreto de séculos de romances de cavalaria, cuja era de sonhos ingênuos chegava ao fim.
Até aqui olhamos o lado espanhol. Para navegar pelas águas desconhecidas do lado asteca só com um bom guia, e quem desempenhou essa função no meu caso foi Miguel León-Portilla, uma das maiores autoridades mexicanas sobre os nahua. Li dois livros seus: um deles é Broken Spears, compilação de relatos astecas da conquista e suas conseqüências (contados a frades espanhóis ou escrito por astecas alfabetizados nos primeiros anos de contato). A devastação da varíola nos momentos mais tensos do combate, o golpe de Estado que os nobres astecas tramavam contra o rei que virara refém subserviente dos invasores; o trauma da queda de Tenochtitlán e as humilhações pelas quais os espanhóis os fizeram passar. O outro foi Aztec Thought and Culture, um mergulho nos pilares espirituais e filosóficos da cultura nahuatl. Como fontes primárias, longas folheadas pelo monumental Historia Generale de las cosas de Nueva España do frade Bernardino de Sahagun, cujos esforços em conversar com os sábios do mundo asteca (os tlamatinime, mestres das academias) e de tudo catalogar constituem a principal fonte de nosso conhecimento do povo de Tenochtitlán; sobre os maias, a Relación de las cosas de Yucatan do bispo Diego de Landa, o responsável por quase tudo o que sabemos deles e, ao mesmo tempo, pela destruição de tudo aquilo que poderíamos ter (como a imensa maioria dos livros maias), num zelo tirânico à la Savonarola repreendido até pela Coroa espanhola. Para completar minha imersão, adquiri uma edição restaurada do Códice Bórgia, um códice asteca pré-colombiano com calendários astrológicos e representações de deuses, de sacrifícios e do lugar do homem no mundo espiritual.
A cultura nahuatl chama a atenção principalmente por suas artes decorativas e desenhos altamente estilizados. Quem vai ao México nota como tudo é impregnado pelas cores vibrantes e padrões geométricos dos antigos astecas; sem falar de sua culinária flamejante, cujos principais ingredientes, a tortilla, o abacate, o tomate, os feijões, a pimenta ainda são a base da cozinha nacional. Indo um passo além da primeira impressão preconceituosa, desintegra-se a idéia de que se tratavam de selvagens lunáticos perdidos em cultos idolátricos. Quem imaginaria os psicopatas sanguinários de Apocalypto de Mel Gibson compondo versos, cultivando um fino artesanato e indagando sobre a condição humana? Pois faziam justamente isso, e se não chegaram a desenvolver uma filosofia com argumentos racionais rigorosos, o embate de diferentes concepções de vida e de universo (questões ligadas à vida após a morte, aos deuses, a como ser feliz) ocorria por meio da poesia transmitida oralmente, e que foi finalmente escrita com a incorporação do alfabeto latino. Por trás do politeísmo da superfície a visão de mundo asteca era monoteísta, tendo em Ometeotl – uma divindade dual – o senhor de, e que dá a vida a, todas as coisas. Não tinham escrita, é verdade, e eles próprios se viam como existindo à sombra dos toltecas, cultura anterior cujo nome virara elogio. Era por desenhos que representavam a história, os rituais, os calendários, os modos de vida. Há beleza nessa simbologia pictográfica, a começar pelo usos das cores (o preto e o vermelho, por exemplo, eram usados para tratar de temas sagrados) e no desenho estilizado de figuras humanas e divindades. E nem por carecer de escrita era sua língua pouco sofisticada.
A língua nahuatl prestava-se naturalmente à poesia. Fazia, por exemplo, amplo uso de difrasismos, união de dois termos com significado metafórico único (o nosso “caras e bocas” seria um possível exemplo, embora o sentido da expressão seja próximo demais do dos termos empregados), como “vermelho e negro” para o que se refere ao sagrado, “rosto e coração” para a totalidade do ser humano (exterior e interior juntos), “flor e canto” para a poesia, “noite e vento” para tudo o que é abstrato. Revirando um pouco a poesia filosófica deles (deixei León-Portilla fazê-lo por mim), encontra-se um embate entre epicuristas e religiosos, louvores à arte como máxima manifestação do potencial humano, diferentes teses sobre a origem do mundo, cosmogonias e cosmologias.
Aos poucos, contudo, gota a gota, uma percepção clara foi se depositando nas fronteiras da minha consciência até penetrá-la. No princípio tapei os ouvidos, quis atribuir tudo à carência de fontes, ao meu desconhecimento, ao fato de não ter ido ainda às outras fontes primárias (frade Motolinia, José de Acosta e muitos outros); mas não deu, tive de finalmente admitir: o povo que construiu as pirâmides de Tenochtitlán estava longe, muito longe, de escrever um Don Quijote, ou uma Suma Teológica, e nele não apareceriam um Shakespeare ou um Velázquez tão cedo. León-Portilla estica cada verso da poesia asteca ao limite das possibilidades interpretativas e mesmo assim parece pouco se comparado, digamos, a qualquer diálogo de Platão; sei que muito foi destruído ou perdido, mas não é provável que o que tenhamos, que inclui informação tirada das maiores autoridades astecas sobre sua própria cultura, seja muito diferente, e substancialmente pior, do que aquilo que se perdeu. Havia impedimentos internos a essas culturas que não foram superados. Os maias, por exemplo, tinham uma escrita muito elaborada, e o que os poucos códices que sobraram nos dizem? Como tantos outros povos antigos, excetuando relatos históricos que são sempre interessantes, seus maiores esforços intelectuais iam para elaborar grandes sistemas mágicos e astrológicos. O calendário maia é um feito impressionante; mas a que se presta? A teses completamente errôneas sobre o universo. O Códice Bórgia é lindo; mas o que retrata? Datas astrológicas, deuses, sacrifícios, enfim, cosmovisões maravilhosamente falsas. É o sonho academicista: um sistema complexo recheado de minúcias internas sem nenhuma relação com a realidade que originalmente buscara explicar. Dá boas dissertações, mas como cultura é fraco.
O que o Ocidente (o nome é ruim, pois geograficamente o México é mais ocidental que a Europa) tem, e já tinha na época, que o permitiu superar tais esforços estéreis? Poderíamos estar até hoje fazendo astrologia, alquimia e criando epiciclos para manter as aparências do geocentrismo. Por que não estamos? Porque temos uma cultura de valorização da razão e na qual o indivíduo não é constantemente obrigado a se conformar à massa, à autoridade e à tradição. Na Europa o súdito não era propriedade do rei, nem de corpo e muito menos de espírito. Hoje não parece, mas um Tomás de Aquino em sua época propunha uma inovação sem precedentes, rompendo com muito da tradição neo-platônica (sem deixar de lado seus melhores elementos); igualmente inovadora foi a rejeição bem-vinda de grande parte da ciência aristotélica alguns séculos mais tarde; amigos de Aristóteles, mas mais amigos da realidade. O rompimento com a tradição exige coragem de indivíduos que não têm vergonha de propor coisas novas. Essa postura está em última análise ligado ao Cristianismo? Suspeito que sim. Seja como for, é algo que o Ocidente tem e o resto do mundo, até recentemente, não tinha; e explica muita coisa, e permite, no campo prático, figuras como Hernán Cortés. Foi a Espanha que chegou à América, e não vice-versa. Os astecas não tinham caravelas, e muito menos navegadores audazes para se lançar em busca de novos mundos (e de fato, é a existência de tal espírito que cria a demanda por caravelas). Está certo que esses mesmos descobridores eram capazes de barbaridades, mas são precisas muitas virtudes para que um vício tenha efeitos devastadores.
E não pensem que as atrocidades da conquista fossem monopólio nosso; na história asteca, por exemplo, uma das figuras mais importantes foi Tlacaelel, conselheiro do rei em meados do século XV d.C., que militarizou a sociedade e intensificou os sacrifícios humanos; dentre as suas políticas estava a destruição sistemática de livros em que Huitzilopochtli, o deus da guerra, não fosse apresentado como a divindade suprema. O tratamento que esse império dava às cidades vizinhas era brutal. Quiçá o estrago humano e cultural teria sido ainda pior se os papéis fossem trocados. Mas um erro não justifica o outro. A escravização, dizimação e destruição cultural dos povos pré-colombianos foi um crime sim, uma mácula histórica que o Ocidente nunca poderá apagar. Só que isso também não apaga um brilho do qual temos motivo de orgulho; o autor do crime é, apesar do crime, culturalmente superior. Não me dá prazer afirmá-lo – minha tendência natural é multi-cultural, sincrética e pluralista; vejo valor em cada penacho folclórico – mas o fato grita a qualquer um que queira ouvir. Começo 2011 com a alegria de redescobrir o que sempre fora meu; um legado que se preserva não por ser tradicional, mas por ser bom. Posso estar completamente errado? É possível. Em 2012 saberemos.
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Realmente é muito inspirador este texto pois nos remete à superioridade da cultura ocidental grega, romana, judaica e cristã. Temos muitas coisas ruins neste caldo cultural ocidetal mas ainda sobressaem as virtudes, que nos guiam até hoje.
Joel,
Belo artigo! Gostei especialmente dessa frase:
” o povo que construiu as pirâmides de Tenochitlán estava longe, muito longe, de escrever um Don Quijote, ou uma Suma Teológica, e nele não apareceriam um Shakespeare ou um Velázquez tão cedo”
Visitei essas pirâmides e elas realmente impressionam e, certamente, é intrigante como tantos povos antigos foram capazes de maravilhas arquitetônicas rivais ou, talvez, superiores em técnicas às grandes catedrais medievais, mas não puderam sair do grilhão da autoridade da tradição. Isso que você fala dos Aztecas (na frase que citei) vale, em sua opinião, para, por exemplo, os egípcios?
Outra coisa: dentro de 10 dias estarei conhecendo Cuzco e Machu Pichu. Dá para transcrever essa sua impressão dos Maias e dos Aztecas ao povo Inca?
“geograficamente o México é mais ocidental que a Europa”
A frase é um disparate! O planeta é redondo, logo não se pode dizer que GEOGRAFICAMENTE um esteja a oeste de outro. O conceito é unicamente cultural (e pode ser ruim também nesse sentido), a menos que você tome mapa por território e representação por realidade.
Flávio, se eu tomo um nome cultural como “Ocidente” para designar a Europa é óbvio que me refiro ao conceito cultural. Dependendo da direção em que se caminhe, a Inglaterra fica a Leste da Alemanha. Grande coisa.
Agora, os navegadores saíram do que se convenciona chamar de Ocidente (Europa), em oposição ao Oriente (Ásia). Eles navegaram para Oeste, e lá encontraram novos povos. Esses povos não fazem parte do Ocidente no sentido cultural do termo, mas também não são orientais. Como estão a oeste da Europa (no sentido de que os navegadores chegaram à América navegando para o Oeste), são mais ocidentais que a Europa.
Quando falamos em Leste e Oeste, estamos tomando os referenciais culturais normais, e o mapa padrão do mundo em que vivemos. Os EUA não tiveram a conquista do Oeste? Vamos corrigir os livros todos só para adequar esse nome à relatividade cultural do termo?
Wagner, eu também fui ao México há alguns anos e saí maravilhado. É uma cultura muito particular e viva. Os resquícios dos povos pré-colombianos impressionam também. Espero voltar.
Olha, sobre os Incas conheço pouco; comecei a me interessar por eles mais ou menos ao mesmo tempo em que meu interesse geral pelo tema diminuía. Mas imagino que sim. Hoje em dia minhas únicas esperanças de encontrar uma cultura comparável ao Ocidente reside na Índia e na China. E mesmo assim…
Valeu, Joel.
Mas agora vou assistir a um filme de “farleste” em homenagem ao amigo Flávio!
“É o sonho academicista: um sistema complexo recheado de minúcias internas sem nenhuma relação com a realidade que originalmente buscara explicar. Dá boas dissertações, mas como cultura é fraco.” Bela e certeira definição de quase toda publicação acadêmica na área de humanas no Brasil atualmente. Fiz uma incursão parecida com a que vc fez e cheguei ao mesmo resultado. Ótimo artigo.
Acho que você poderia ter usado qualquer coisa como “O velho continente”, Joel, ao invés de “Ocidente”. Hoje o México faz parte, claro, da cultura ocidental, como todo mundo com mais de dez anos sabe.
O post nos lembra de que, de fato, houve algo como um imperialismo cristão, em tudo contrário à essência do cristianismo, e assemelhado ao islamismo. Mas qual seria a atitudo do cristão ao encontrar um povo que pratica sacrifícios rituais de seres-humanos. Tentar convencê-los a parar somente contando com a força das palavras? Não era uma guerra justa?
A objeção do Flávio está correta, o autor que misturou um pouco as noções de ocidente cultural e geográfico. Nada grave, no meu entender…
Joel,
Parabéns. Excelente artigo. Foi o Eduardo Maia (do blog do café colombo) quem me recomendou.
É sempre a cultura superior que prevalece, mesmo quando vencida militarmente: gregos sobre romanos, romanos sobre germânicos e indus sobre mogóis, para citar apenas alguns exemplos.
Se a cultura superior é vencedora, ela só terá sucesso se for inclusiva, como no caso dos gregos com os persas e dos romanos com todos que dominou após assimilar a cultura grega.
O mundo em que vivemos (inclusive a Ásia moderna) é produto da cultura greco-romana.
Embora tentem negar, os asiáticos só chegaram ao nível atual porque copiaram e copiam a ciência nascida com os Arquimedes e Euclides, adolescente com os Galileus e Newtons e adulta com os Darwins e Einsteins.
Ainda é nos laboratórios europeus e americanos que ela cresce.
Você fez bem ao abordar o assunto de forma justa. Bola pra frente!
P.S. Wagner: tens razão; as pirâmides maias são muito bonitas, mas sou obrigado a dizer-te que tecnicamente elas estão no mesmo nível das pirâmides egipcias mais antigas (antes das grandes pirâmides de Gizé). Compará-las estética e tecnicamente ao milagre das Catedrais Góticas horroriza qualquer engenheiro ou arquiteto culto.
Roberto Santana: estás certíssimo; o “besteirol politicamente correto que assola o país” tornou nossas ciências humanas atuais um deserto científico e festival de tolices autoflagelatórias.
Virgílio
Não comparei as obras antigas e as catedrais medievais em termos estéticos, apenas tecnicamente.
Como não sou nem engenheiro e nem arquiteto acato sua crítica.
Realmente, lembrando de Notre Dame ou Chartres ou mesmo as imensas igrejas do período da Reconquista ibérica, acho que exagerei no comentário
Amigo Wagner,
O que vale é que estamos com o Joel nessa de resgatar a “bárbara cultura ocidental” dos constantes ataques que sofre. Como se não bastassem os ataques de dentro (os “mea culpa” dos nossos academicozinhos politicamente corretos), agora começam sutis ataques de fora. Outro dia assisti uma série de TV, certamente patrocinada pelo governo chinês, onde se diz que tudo que temos hoje vem de invenções chinesas. Eles não só eram melhores navegadores, apesar dos seus navios serem impróprios para o alto mar e não chegarem a lugar nenhum longe da costa, como também inventaram, dentre outras coisas, O FUTEBOL, apesar de até os anos setenta não haver times de futebol na china!
Grande abraço.
P.S. Faça uma visita ao meu blog http://www.virgiliocamposhistoriaantiga.blogspot.com
Muito interessante esse assunto, pois acabei de ler um livro chamado “Armas, Germes e Aço” do biólogo evolucionista norte-americano Jared Diamond, onde ele aborda justamente a grande questão: porquê foi a Europa, ou a cultura Ocidental em último análise, que num determinado momento da história humana se lançou a conquistar (militar e culturalmente) o mundo, e não o contrário?
É claro que o assunto é complexo demais para ser totamente abordado num livro de quatrocentos e poucas páginas, mas as teorias levantadas por ele são bastante consistentes. Envolve localização geográfica, produção de alimentos e domínio da metalurgia, em termos bem resumidos.
Em todo o caso, vale a pena ler.
Eu vi os documentários feitos a partir do livro, apresentados pelo próprio Diamond. Bom, essas explicações puramente geográficas e materiais não me convencem. Afinal, dentro da Europa há ricos e pobres. Por que a Escócia era, e ainda é, tão mais pobre que a Inglaterra? Por que o Sul da Bélgica é mais pobre que o Norte da Bélgica? Há mais do que metais e pecuária em jogo. Há idéias e os diferentes modos de organização social aos quais as idéias levam.
Ricardo,
Muito mais intrigante que isso me parece a questão do porquê apenas no mundo helênico a filosofia prosperou de forma autônoma durante tanto tempo.
E, mesmo sob o risco de acusações de etnocentrismo, ouso dizer que intriga o porquê do desenvolvimento desigual das artes na humanidade.
À primeira questão já ouvi uma interessante tese acerca da característica da língua grega.
Joel e Wagner,
Essas questões não têm respostas, mas tentativas de respostas. Talvez porque, como explicou o Roberto Campos, “Deus é o maior anticomunista do mundo, pois não criou uma só coisa que fosse absolutamente igual à outra; nem mesmo gêmeos univitelinos”!
Existe uma outra explicação melhor ainda: um colega perguntou a Einstein por que a revolução científica ocorrera na Europa e não na China, que era mais adiantada. Einstein pensou e respondeu: “Devido a duas coisas: a invenção da lógica formal pelos gregos no século 5 AC e a invenção pelos sábios europeus do método experimental no século17 AD”!
Essas duas explicações são as melhores tentativas de respostas no atacado que conheço; no varejo, as tentativas têm que ser feitas caso a caso.
Joel,
Como eu disse, o assunto é complexo demais para apenas um livro. Mas, pelo que eu pude entender, as idéias e a organização social complexa só prosperaram onde houve um ambiente propício para isso, que seria o resultado de um processo milenar que “começou” com o domínio da agricultura, pecuária e metais.
Essas discrepâncias internas que você citou são pormenores que, a meu ver, não invalidam a teoria de Diamond que, afinal, se trata de uma grande generalização.
Uma coisa é fato: o fator “germs” foi preponderante para derrubar os povos nativos da América. É algo bem triste: um dos maiores destruidores dessas populações foi algo completamente fora da escolha humana, algo que teria acontecido mesmo se os contatos tivessem sido pacíficos.
Ricardo,
Qual o ambiente propício dos atrasados e nomádicos árabes para que se lançassem à conquista do mundo no século 7 DC?
Qual o ambiente propício (montanhas pedregosas e florestas impenetráveis) para que gregos, maias e incas criassem notáveis civilizações longe de grandes cursos dágua, ao contrário de outras grandes civilizações antigas?
Não há respostas; apenas tentativas de resposta.
A maior pirâmide do mundo, em volume, fica no México. A primeira vista, os espanhóis julgaram tratar-se de uma montanha, e deram o nome de Monte de São etc…
o emergir da ciência como aspecto da cultura ocidental, deve muito à capilaridade da fé cristã e à dominância da Igreja medieval
O cristianismo constituiu uma base contra a qual a ciência pode se opor:
ex: mundo achatado, Terra no centro do universo, Homem feito de barro, etc..
a cosmovisão cristã, impregnada desse misticismo e irracionalidade, afrontou as melhores mentes medievais.
O que resultou foi a ciência como parte da cultura européia e hj do mundo (quase)
Max, o que Cristianismo tem a ver com terra achatada e geocentrismo? A primeira tese era algo descartado desde a Antiguidade; ninguém com alguma educação acreditava nisso na Idade Média. A segunda é fruto do pensamento clássico grego, consagrada no modelo ptolemaico de explicação dos movimentos dos astros.
“Homem feito de barro” não era, nem nunca foi, entendido literalmente; ninguém nunca confundiu carne com argila.
Você acha que em outros lugares do mundo não havia crenças falsas contra as quais a ciência pudesse se opor? Sua explicação, além de falsa, não explica nada; o mesmo valia para o mundo inteiro, cristão e não-cristão. Por que a ciência moderna surgiu no mundo cristão? Parece-me, isso sim, que o Cristianismo deu bases metafísicas que tornam a ciência intelectualmente possível.
há outros fatores: a impressão gráfica fora inventada na europa, fazendo a divulgação das idéias circular com mais “portabilidade” pois é o que os livros permitem;
Do mesmo modo o nosso alfabeto, de raíz greco-fenincia, também permitia mais facilidade de aprendizado e escrita (em relação aos ideogramas), permitindo a existência de mais alfabetização entre os europeus;
A igreja mediavel, não deixa de ter a virtude de ter possibilidado essa maior taxa de alfabetização, uma vez que toda a liturgia era baseada num livro e na existência de pessoas letradas. A vida religiosa e monástica dos cristãos foi um fator de disseminação da escrita e do alfabeto até as mais longínquas áreas européias
Em resumo, boa parte da vantagem comparativa dos europeus na ciência, apoiou-se no hábito da escrita e na facilidade em escrever e divulgar livros
Joel,
O Max Ricardo viu, após a sua brilhante explanação, que a teoria anticristã dele era errônea e estúpida, e fez o que os ateus militantes fazem, quando confrontados: simplesmente pôs a viola no saco.
Tsc, tsc… Que vergonha.
Max, a invenção da imprensa é mais um passo num longo percurso, e que se usou de vários elementos tecnológicos já presentes na cultura. O formato do códice, o uso do papel e sua produção em massa na Idade Média, a tipografia moderna (com espaços, pontuação, maiúsculas e minúsculas; invenção medieval). Todos esses avanços tecnológicos, mais do que explicar, são antes sinais, de uma diferença intelectual de fundo.
Quanto ao tipo de alfabeto, os gregos, os árabes e indianos também usam alfabetos. A China fazia impressão em blocos, e chegou a desenvolver tipos móveis. Poderia ter chegado lá. Não chegou.
Apesar do aparente antagonismo, e do Max descarrilar no comentário 23, acho que os pensamentos dele e do Joel se completam. Não esqueçamos que as Universidades Medievais eram instituições Católicas e que os primeiros grandes cientistas eram clérigos (Roger Bacon e Copérnico, por exemplo). O Gênesis bíblico, se corretamente analisado, é uma maravilhosa metáfora poética para o fenômeno científico do big-bang, pois luz, espaço e tempo surgiram com ele! Antes era o NADA, e se não havia espaço não podia haver “ovo primordial”.
De onde veio, então, a silenciosa explosão criativa da matéria e, consequentemente, da luz, do espaço e do tempo?
As equações de Einstein necessariamente levavam à teoria do big-bang e da expansão contínua do Universo, mas ele apegou-se ao preconceito positivista-materialista de um universo sem princípio nem fim e hesitou dar o passo decisivo.
Foi como se Colombo desse meia-volta e voltasse à Europa após ter evidências de que existiam terras a oeste.
A nossa origem só pode ser explicada à luz da metafísica; nunca da física!!!
Não esqueçamos que a ciência moderna nasceu nos mosteiros e universidades medievais, entidades católicas. Os primeiros cientistas eram clérigos (Rogério Bacon e Copérnico, por exemplo). Embora o Max tenha desc rrilado feio no comentário 23, ele se penitenciou no comentário 25. As respostas do Joel estão excelentes!!!