Tablóide também tem reportagem boa. Eve Ahmed, que escreve para o Daily Mail, foi criada muçulmana mas abandonou a fé por sentir-se presa e controlada por uma infinidade de regras. Qual não é seu espanto ao constatar que muitas mulheres ocidentais bem-sucedidas escolhem, de livre e espontânea vontade, prestar obediência total e irrestrita a Alá.
Girard não é o único a observar o caráter revelador de tantos sinais de dificuldade na maneira como lidamos com os perturbadores mistérios do self perdido no cosmos (ou na opacidade dele, cosmos, para nossos olhos pretensamente autônomos).
Se explica o fenômeno apontado pelo tablóide eu não sei, mas lembrei de Walker Percy, um entre os muitos que em seu próprio registro lêem com bom humor e o necessário espanto as desventuras dos “selves” desorientados e seus reflexos na vida social. As estradas abertas à transcedência entre os everymen and women ingleses contemporâneos – sei lá, arte, ciência – implicam sempre um retorno à imanência após o vôo na abstração. Walker sugere que os problemas associados a esse retorno são mais particularmente agudos entre artistas e escitores. Nem todos têm os recursos teóricos e existenciais de Kierkagaard, digamos, para essas viagens de ida e volta.
E em geral, claro que há nostalgia de estradas mais seguras. Essas inglesas de véu parecem bem típicas em sua associação de deslocamento espacial (visitas a Qom, etc), ânsias de contatos com culturas onde há mais espaço para a cordialidade (portanto também para a crueldade; remember Sérgio Buarque de Holanda) e idéias semi-cozidas a respeito da decadência do Ocidente hiper-erotizado e violento (crise que Kierkegaard ajuda a interpretar no contexto da maré vazante do judeu-cristianismo e na banalização de Eros e Thanatos).
W. Percy: A “história semiótica” de “selves” perdidos, cegos para o cosmos (e todos o somos em maior ou menor escala; eyes/egos wide shut) – essa história “could be written in terms of (…) attempts (…) to escape its nakedness and to find a permanent semiotic habiliment for itself – often by identifying itself with other creatures in its world”. Aposto que essas senhoras inglesas de véu se consideram elegantes e originais. Aposto que haverá quem as queira imitar.
Pode parecer reducionista da minha parte, mas me parece que uma simples palavra resume o motivo da conversão dessas mulheres: conforto.
O fato é que a liberdade de ação e pensamento, para muita gente, é mais um fardo do que um privilégio. Muitos podem preferir a facilidade de ser guiado por alguém do que andar com as próprias pernas e assumir total responsabilidade por suas ações.
Das razoes apresentadas pelas mulheres para terem se convertido, nao identiifiquei nenhuma que nao pudesse ter sido satisfeita pelo velho e bom cristianismo. Entao, porque, de fato, se converteram ao islamismo?
Além do conforto pela ausência de responsabilidade acarretada pelo livre pensamento (que é, aliás, um dos discursos da decadência moral na Europa), não consigo observar esse fenômeno afastado de uma única concepção: tais mulheres não sabem o que é viver em uma sociedade realmente islâmica.
Ora, em plena Londres vestir burca e sentir-se redimida por uma Fé alternativa? Vá lá. Mas tenho impressão de que, ao pisarem na Arábia Saudita, não conseguirão manter essa áurea esotérico-islâmica por muito tempo.
A repressão só é bem-vinda àquelas que estão afogadas na liberdade. Quando é regra, quando inseridas de fato em uma sociedade, tais mulheres pós-modernas talvez consigam perceber de que estão tratando não de um estilo de vida, mas de um culto à barbárie.
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Rodrigo de Souza,
Também pensei o mesmo que você. Porquê não se converter ao cristianismo (católico ou protestante, pouco importa). Juntando com as ideias expressas por Filipe logo em seguida, a única resposta que me vem à cabeça é: converter-se ao islamismo agora é um hype entre algumas mulheres europeias (notadamente aquelas com maior nível sócio-econômico).
Falando assim parece ridículo. E é.
Filipe
Você disse: “Além do conforto pela ausência de responsabilidade acarretada pelo livre pensamento”.
Se você se referiu ao meu comentário (creio que sim) o que eu quis dizer foi: conforto pela ausência de responsabilidade acarretada pelo fato de ser guiado pelo outro, e não pelo livre pensamento.
Talvez você só tenha confundido as palavras no começo. Quanto ao resto de seu comentário concordo plenamente.
Para um país cujo príncipe (Charles) já se converteu ao Islã, não é nenhuma novidade que as mulheres comecem a fazer o mesmo.
Elas se converteram ao islamismo como poderiam ter se convertido ao catolicismo. Não importa, os dois casos revelam os mesmos motivos: zona de conforto moral e preguiça intelectual.
Essa do príncipe Charles convertido ao Islâ é novidade para mim. Alguém tem fontes confiáveis disso?
Tendo a discordar ou, no mínimo, considerar incompleta ou simplista jogar a conversão dessas mulheres ao islamismo a uma “questão de conforto” ou fuga da responsabilidade de pensar. Afinal, o pensamento “politicamente correto” laicista e pagão (ou ateu) atual é tão castrante quanto qualquer conjunto de normas de origem religiosa.
Parece-me que seria razoável olhar a sede de sentido que pode estar florescendo entre aqueles que o buscaram no “livre-pensamento” e nada encontraram porque, de fato, nada há para se encontrar nele e não em virtude da “fraqueza” dessas pessoas. Será que realmente são fracos? Ou fraco é quem mesmo não encontrando o sentido que realmente ansia refugia-se no “pensamento dominante”?
Wagner
Como assim, “nada há para se encontrar no livre-pensamento.”?
Então façamos a pergunta contrária: por que tantas mulheres europeias NÃO se convertem ao Islã? Por fraqueza?
Bom o seu comment 11, Wagner. Desse ponto de vista, o refúgio em “pensamentos dominantes” ou no Islã, ou whatever, é apenas um epifenômeno em meio à ventania em que os “sentidos” entram em colapso. Let us not talk falsely now.
Muitos aí do outro lado da tela ainda se lembrarão do final das “Palavras e as Coisas”, do Foucault; aquilo do “homem” que desaparece feito imagem na areia.
É engraçado contrastar essa perspectiva com a antiga e medieval na Europa, ancorada na noção de um cosmos amorosamente criado, onde o homem não desaparece porque traz em si “l ´imago de la ´mprenta / de l´etterno piacere, al cui disio / ciascuna cosa qual ell´è diventa” (Paradiso XX, 76-78; imagem impressa do eterno prazer/vontade, “cujo desejo /o ser de cada cousa nela alenta”; cada coisa, cada homem se torna o que realmente é na medida em que está associado a esse eterno prazer/desejo do Criador).
Uma associação prazerosa, livre e dialogal.
Sim Ricardo, e me referi justamente a isso. Essa onda islâmica dentre as mulheres europeias não é nova; basta observar as grande artistas francesas as quais praticamente afirmam que o islamismo é, antes, uma “elevação espiritual não entendida pela sociedade cristã”.
O que é confortável nesse caso é justamente o pensamento que se respalda e se escora em máximas islâmicas que, na Europa, são máximas esotéricas a lá os movimentos alternativos americanos.
E, sim, em resposta ao Wagner, considero tal movimento de islamização europeia totalmente inferido nos pressupostos da responsabilidade do pensamento-livre. Basta entender que a vitimização e coitadismos regem tais movimentos como são regidos os movimentos populares latinos; a diferença está nos objetos: um na religião, outro da política social.
Só para completar minha opinião, eu não ficaria nem um pouco surpreso se Amy Winehouse, de repente, se declarasse convertida ao Islamismo.
Depois que Madonna “abraçou” a cabala, nenhum comportamento vindo de um pop star me surpreende.
Ricardo,
“por que tantas mulheres europeias NÃO se convertem ao Islã? Por fraqueza?”
Creio que uma parte não se questiona acerca de um sentido existencial, talvez obnubiladas pelo consumismo e pela busca do prazer pelo prazer ou, ainda, “saciadas” por eles. E outra parte pelo conforto de estar ao lado do pensamento dominante. E, sem dúvida, há aquelas que criam um sentido pessoal a partir do ‘livre-pensamento’, mas creio que seja uma pequeníssima minoria.