Permitam-me descer para o reino da “baixa cultura”, para o evento cultural único que teve lugar em São Paulo na sexta passada.
Jerry Lee Lewis veio ao Brasil. Eu, que estava conformado com a idéia de que essa lenda do rock (embora não “A ÚLTIMA LENDA VIVA DO ROCK” como anunciava, injustamente, o auto-falante do Credicard Hall) morreria sem que eu o visse tocar, tive a oportunidade de realizar um sonho. E lá estava para ouvir um idoso de 73 anos dedilhar seu piano.
Depois de um interminável show de abertura com uma banda cover de clássicos do rock (nada contra eles, talentosos todos; mas eu não estava lá para ouvir Pink Floyd), entrou a banda do Jerry Lee, tocando três ou quatro músicas antes dele entrar no palco. E aqui a diversão começou; teve início a viagem no tempo e espaço que nos levou para o Sul rural dos EUA nos anos 50.
Eis que surge, vestido de preto, um senhor bem velhinho, de movimentos lentos, calmos, corpo curvado e gordinho; parecia uma tartaruga; até que se sentou ao piano, e daí parecia um tigre. Acontece que as mãos tinham a mesma destreza de sempre, e a voz a mesma potência (ok, talvez não a mesma; é difícil ser objetivo em momentos como esse). O que se seguiu foi um turbilhão brutal de rock, temperado com uma ou outra música country ou um blues (todos ótimos; fiquei surpreso em ouvir “You Win Again”, um dos countries do começo da carreira de Jerry Lee). Claro que “Great Balls of Fire” e “Whole Lot of Shakin’ Goin’ On” não podiam faltar. Às vezes ele parava para falar algo à platéia ou à sua banda, e o sotaque enrolado de velho do interior da Louisiana tornava suas palavas quase incompreensíveis, o que só aumentava o valor da experiência.
Jerry Lee Lewis era, em sua época, o bad boy do rock. De toda a primeira geração, era o mais improvável de chegar à idade avançada. E, no entanto, aqui estava ele, uma força anárquica, tirando sons endiabrados do piano. Elvis, Johnny Cash, o comportado Carl Perkins, Roy Orbison; todos se foram, mas The Killer ainda está conosco, botando para quebrar.
Causou alguma tristeza ver que havia muitos lugares vagos. Bandas muito inferiores, cujas músicas não têm nem melodia quase, que falam de melancolia e vazio, sons distorcidos e cacofonia, enchem descampados. Mas uma vez começado o show isso foi esquecido. O que tínhamos aqui era a essência do rock, a liberação de uma energia vital que não pode ser contida, que obriga todo mundo a pular e dançar e sorrir sem motivo e sem dar a mínima para o que os outros vão achar. Do meu lado tinha um jovem de camiseta vermelha verdadeiramente possuído pela música, debatendo-se tresloucado – seria uma dança? – sem o menor controle dos movimentos. Se há uma ocasião em que tal comportamento é aceitável, até muito bem-vindo, é sem dúvida num show como esse.
Pena que foi tão curto. Também, com essa idade deve ser muito cansativo dar um show tão intenso. Foram o quê? 40, 50 minutos? A mim pareceram 10.
Arrependo-me de não ter ido ao Chuck Berry, que tocou mês passado. Deve ter sido uma experiência algo semelhante.
Olá, Joel. Aqui em BH, me aconteceu o contrário: fui ao Chuck, perdi o Jerry. Fiquei impressionado com a voz do sujeito, que não perdeu nada para o tempo, e está com 83 anos.
“Jerry Lee Lewis era, em sua época, o bad boy do rock. De toda a primeira geração, era o mais improvável de chegar à idade avançada. E, no entanto, aqui estava ele, uma força anárquica, tirando sons endiabrados do piano. Elvis, Johnny Cash, o comportado Carl Perkins, Roy Orbison; todos se foram, mas The Killer ainda está conosco, botando para quebrar.”
Aiaiai… será que teremos de aturar o Slayer até 2040?
E por falar em rock e baixa cultura, lembrei de uma frase do Frank Zappa:
“O rock’n’roll não é sobre ser inteligente”.
Abraço, Joel.
Poxa, perdi esse e o do Chuck Berry.
Mas gostei desse comentário:
“Bandas muito inferiores, cujas músicas não têm nem melodia quase, que falam de melancolia e vazio, sons distorcidos e cacofonia, enchem descampados.”
É, verdade. Esse tipo de banda faz sucesso hoje, mas eu duvido (e rogo pragas para tanto) que, daqui a 10, 20 ou 30 anos elas sejam lembradas. Ou cultuadas.
“Bandas muito inferiores, cujas músicas não têm nem melodia quase, que falam de melancolia e vazio, sons distorcidos e cacofonia, enchem descampados.”
Duvido que daqui a 20 anos essas bandas sejam escutadas com o saudosismo que, hoje, ouvimos Jerry Lee, Chuck Berry, Elvis ou Buddy Holly.
E que fenômeno, hoje o rock fala de melancolia e vazio, como vc lembrou, mas antes era sobre garotas, festas, alegria. Sem contar o rock que fala de duendes e outros seres fantásticos.
Francamente, o mundo está em situação tal que o melhor é ouvir marcha fúnebre.
“A essência do rock, a liberação de uma energia vital que não pode ser contida, que obriga todo mundo a pular e dançar e sorrir sem motivo e sem dar a mínima para o que os outros vão achar”.
No ponto, Joel. Há um mês vi o Chuck Berry aqui em Fortaleza e foi a mesma coisa. O sorriso besta, a dança instintiva, o corpo escravizado pelo ritmo, a euforia – rock and roll como deve ser.
É sorte nossa poder alcançar esses caras em vida.
Buddy Holly entre o apaulineo e o johnisíaco (o trocadilho é do Marcelo Dantas):
http://www.youtube.com/watch?v=inzeqgkfJkw&feature=related
Maybe Baby com o próprio BH; versão diferente daquela mais conhecida: http://www.youtube.com/watch?v=ZrfWocxFxUU&feature=related
De quebra, Peggy Sue. Keep an open mind. http://www.youtube.com/watch?v=WQiIMuOKIzY