A melhor coisa que ocorre atualmente nos meios culturais tupiniquins é a celeuma em torno do “novo filme do Batman”. Sabe-se lá por quê, todo mundo com algum espaço e algum provável leitor quer dar o seu pitaco no Morcegão. Da revista Paisá, passando pelo João Pereira Coutinho, até o Inácio Araújo, todos criticaram o filme de Christopher Nolan. Creio que quem viu realmente sobre o que é o filme fui eu, o Pedro Sette Câmara e o crítico da First Things.
Em primeiro lugar, quero dizer que Christopher Nolan é, sim, um diretor talentoso. Pode não ser um gênio da sétima arte, mas, sem dúvida, é alguém com um projeto próprio (todos os seus filmes são sobre os dilemas da consciência moral). Alguns amigos meus implicaram com “Batman Begins”, outros insistem que “Amnésia” (Memento) é um filme feito na sala de montagem. Bem, creio que neste último caso, fico com as palavras de Stanley Kubrick: “Cinema é montagem”. Mas, em poucas e precisas palavras, defino assim a filmografia de Nolan: “Memento” é um dos poucos filmes que vi sobre o assunto “atos sem testemunha” – ou seja, o momento em que só você sabe o que fez na sua vida e ninguém mais; “Insônia” é o melhor thriller já feito sobre a mancha moral que entorpece nossa consciência quando optamos por fazer o mal; “Batman Begins” praticamente tirou o Morcegão do limbo cultural onde ele se encontrava depois das palhaçadas de Tim Burton e Joel Schumacher; e “The Prestige” é uma lástima, uma bobagem que quase me fez perder a admiração por Nolan.
Em segundo lugar, “The Dark Knight” é um dos melhores filmes do ano. Existem dois motivos: 1) É uma película extremamente subversiva, que, sob a aparência de uma adaptação de quadrinhos, faz um comentário conservador sobre a sociedade, ao mostrar uma visão de mundo que discute e ilustra exemplos que já foram dados por Aristóteles, Thomas Hobbes, Kant, entre outros luminares da ciência política; 2) A arquitetura dramática de “The Dark Kinght” é, como mostrou Pedro Sette Câmara, baseada no mecanismo mimético de René Girard. Isso significa que, se Nolan fosse honesto o suficiente com o seu público, ele não faria concessões (e não fez, por incrível que pareça – daí o sucesso do filme, artístico e financeiro). Por isso, a crítica boçal de um Inácio Araújo ao classificá-lo como “reacionário”. Sim, o filme é “reacionário” – se isso ocorre é porque Nolan decidiu mostrar o real como é e isso implica admitir que a própria realidade exige de você uma “reação”. Contudo, no Brasil, país onde tudo é visto pela “perspectiva ideológica”, ser “reacionário” é algo negativo, quando, na verdade, “The Dark Knight” é só uma pequena representação do mundo-cão onde vivemos, em que o Mal não tem racionalidade, e, às vezes, a única forma de combatê-lo é a velha e arquiconhecida real politik.
Martin
Você podeia, também, citar o artigo do Arnaldo Jabor sobre o filme. Para ele – se entendi bem o que ele escreveu essa semana no Estadão – o único detentor da “verdadeira moral” entre os personagens do filme é o… Coringa.
Bom, para não criar mais um post com o tema “batman”, vou colocar aqui resenhas altamente elogiosas do filme, as quais ressaltam questões filosóficas e morais das quais o filme trata, e as respostas por ele dadas:
A primeira é do DecentFilms, um ótimo site de resenhas, que infelizmente tem andado bem menos ativo ultimamente:
http://www.decentfilms.com/sections/reviews/darkknight.html
A segunda é do professor de ética Thomas Hibbs: http://catholiceducation.org/articles/arts/al0345.htm
E a terceira é de um padre canadense, Raymond J. de Souza:
http://www.catholiceducation.org/articles/arts/al0347.htm
Recomendo, obviamente, as três; mas se tivesse que ficar com apenas uma, ficaria com a primeira.
Prezado Matim Vasques da Cunha,
Antes de mais nada, desejo parabenizá-lo por seus nobres projetos culturais. Keep up the good work!
Sua nota a respeito do último Batman levanta questões interessantes. Permita-me, porém, fazer algumas considerações.
Como você afirma, a filmografia de Christopher Nolan apresenta importantes conceitos. No entanto, imagino que você concorde que bons conceitos não são suficientes por si sós para se realizar um bom filme. Afinal de contas, é preciso transformá-los em imagens – até em ação, algumas vezes. E não me parece que Nolan o faça da forma ideal.
Será que Kubrick estava certo ao afirmar que “cinema é montagem”? Trata-se de uma concepção adotada por uma longa linhagem de cineastas, a começar por Eisenstein. Alguém poderia dizer, entretanto, que essa ênfase na montagem compromete a principal virtude do cinema, qual seja, a capacidade de captar o fluxo do tempo. Grandes mestres como Tarkovski e Sokúrov parecem caminhar nessa direção.
Ainda não sei se cinema é montagem ou não. Mas tenho certeza de que timing é algo essencial à sétima arte. É por essa razão que William Wyler – o metteur en scène por excelência – pode ser considerado um mestre. Pelo que pude perceber, você é um bom entendedor de cinema. Já deve ter notado, então, que nenhuma cena de Wyler dura mais do que o necessário.
Pois então, Nolan parece carecer justamente dessa precisão, desse senso. Seus filmes são descalibrados, excessivos (a única excessão parece ser “Batman Begins”). Neles, fala-se além da conta, principalmente nos desfechos: o monólogo interior da personagem de Guy Pearce em “Memento”; o diálogo entre Borden e Angier, além da fala de Cutter, no final de “The Prestige”; o explicação que Gordon dá a seu filho no final de “The Dark Knight”. Na tentativa de criar algo retumbante, os irmãos Nolan terminam gerando um anti-clímax
Não se engane, porém. Gosto dos filmes do Christopher Nolan. Acho apenas que poderiam ser melhores.
Para finalizar, alguns pontuais comentários sobre as questões morais em “The Dark Knight”.
Harvey Dent é uma personagem riquíssima, e muito trágica. Ele simboliza a eterna luta entre o Bem e o Mal, que tem lugar também na alma de cada um. Dent acreditava controlar o próprio destino (daí a moeda com dois lados iguais) e não está preparado para lidar com a perda. Qual o Édipo que se cega, ele é tomado pela insanidade.
O Coringa, por sua vez, é uma personagem diabólica (me lembro de George Sanders como Addison DeWitt em “All About Eve”); o tentador que é capaz de sacrificar a própria vida a fim de trazer à tona o mal que há nas pessoas.
Um abraço,
Túlio Borges
Crítico cultural
Brasília-DF