São Paulo e Debussy

Edward Hopper - Study for Morning Sun
Edward Hopper - Study for Morning Sun

São Paulo deve ser o único lugar do mundo onde se comemora uma derrota. Amanhã, dia 09 de julho, é feriado por aqui e para poder celebrar nossa grande campanha de 1932, precisamos fazer a semana inteira caber em três dias. Tudo bem, tudo bem, essa mania de pressa é outra característica tipicamente paulista (né meu!), mas o que a gente pode fazer se às vezes simplesmente parece que não vai dar tempo!?

Foi tentando me livrar disso tudo – de São Paulo, da pressa, da derrota de 32 (ou de qualquer outra!) – que me lembrei de Clair de Lune. Quando entrevistei o maestro Roberto Minczuk para a Dicta 2, ele comentou que era “apaixonado” por essa peça do Debussy, simplesmente “perfeita ao piano solo”. As duas colocações não poderiam ser mais precisas, como também é precisa a execução que o Nelson Freire lançou recentemente pela Decca, num ótimo cd inteiro dedicado ao compositor francês – que, aliás, recomendo vivamente.

Clair de Lune é o terceiro movimento da Suite bergamasque, composta quando Debussy tinha 26 anos. A peça foi inspirada num poema de Verlaine, com certeza tão impactante quanto a música.

Clair de Lune

Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.

Tout en chantant sur le mode mineur
L’amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n’ont pas l’air decroire à leur bonheur
Et leur chanson semêle au clair delune,

Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d’extase les jets d’eau,
Les grands jets d’eau sveltes parmi les marbres.

São apenas três estrofes, mas não precisa de mais nada. Minha vontade era continuar a escrever sobre a alma e essa paisagem em que máscaras dançam “quase tristes”; sobre o canto “em modo menor” de um amor que parece não acreditar na própria felicidade; sobre o “calme clair de lune triste et beau” que faz os pássaros sonhar… Mas certamente nada do que eu poderia dizer se compara à interpretação do Nelson Freire.

Então fiquem com ela que eu acabei de ver uma enorme lua cheia lá fora… (mas não se animem muito: a previsão para o feriado é de chuva.)

8 comentários em “São Paulo e Debussy

  1. Preciso fazer um pedido: alguém conhece uma boa tradução desse poema do Verlaine? Pode me passar?

    Procurei a doidado e só consegui uma tradução do Augusto de Campos. Ia publicar junto com o post, mas vi que ele traduz “Tout en chantant sur le mode mineur” por “E cantando em surdina”. Desisti.

    Sei francês o suficiente apenas para decifrar o poema, com a ajuda de algumas traduções e de um dicionário aqui e ali, mas “cantando em surdina” é demais para mim…

    Sei que existe uma edição portuguesa traduzida pelo Fernando Pinto do Amaral, e que o Guilherme de Almeida também traduziu alguma coisa do Verlaine. Mas não consegui nenhuma delas… Alguma boa alma para me ajudar?

    Thanks!

  2. “São Paulo deve ser o único lugar do mundo onde se comemora uma derrota.”

    Errado. Há feriado e comemorações aqui no RS para a Revolução Farroupilha.

    E quase todo mundo se orgulha de um dia seus antepassados terem tentado se separar do Brasil.

    Até não deixo de dar razão.

    Sobre a peça; ah, belíssima.

  3. Fato, Renan!

    O 20 de setembro pára o Rio Grande. A derrota, já há tempos esquecida, é deixada de lado na lembrança da tentativa dos Farrapos de conseguir um pouco mais de liberdade.

    Surdina? Ah! que falta faz um Bruno Tolentino para dizer algumas verdades… “Surdina”?!?!

  4. Bem lembrado sobre o Festival, Marcelo. Inclusive haverá uma apresentação da Suite bergamasque no dia 23/07… http://www.festivalcamposdojordao.org.br/programacao/interna.asp?idProgramacao=39

    Sobre a Farroupilha: poxa vida, nem nisso os paulistas são únicos. Tinha me esquecido mesmo. Agora não sei se é melhor rir ou chorar…

    Sobre a tradução do AC: eu não vi um livro com ela, a referência é uma tese de conclusão de curso que está disponível na internet. Como é um trabalho universitário, acho que podemos confiar na referência. Mas não quero correr o risco de ser injusto.

  5. No link abaixo, o mesmo “Clair de Lune” musicado pelo Fauré como canção. Ele compôs sobre outros poemas de Verlaine e pessoalmente acho o resultado muito feliz. Com suas “modulações inesperadas e tentativas”, GF consegue bem mais do que apenas uma bela ponte entre o academicismo do século XIX e essa perfeição atingida pelo Debussy (mais ou menos como observou o físico e “amador dedicado” Rogério Cerqueira Leite, que nos anos 80 mantinha uma coluna sobre música na FSP). 2) http://www.youtube.com/watch?v=ZGf0w0zghFI 3) Tem gravações mais recentes dessas canções do Fauré; e valem muito a pena, como as de Ravel, etc. Dificilmente você as ouvirá numa seqüência ou na mesma fase em que a lua sugerir lieder; mas sempre chega a hora.

  6. Sem ser exatamente o que se pediu, segue-se o Walcourt de Verlaine com a tradução de Paulo Mendes Campos em Diário da Tarde (Civilização Brasileira-Massao Ohno, 1991):

    Briques et tuiles,
    O les charmants
    Petits asiles
    Pour les amants!

    Houblons et vignes,
    Feuilles et fleurs,
    Tentes insignes
    Des francs buveurs!

    Guinguettes claires,
    Bières, clameurs,
    Servantes chères
    À tous fumeurs!

    Gares prochaines,
    Gais chemins grands…
    Quelles aubaines,
    Bons juifs errants!

    Tijolos, telhas,
    ó fascinantes
    esconderijos
    para os amantes!

    Lúpulo e vinhas,
    folhas e flores,
    tendas ilustres
    dos bebedores!

    Claras tabernas,
    chopes clamantes,
    às ordens sempre
    dos bons fumantes!

    Gares tão perto,
    sendas galantes…
    Mas que tesouro,
    judeus errantes!

  7. Como paulista, gostei do mote para a auto-ironia de comemorar uma derrota. Verlaine, Debussy e Nelson Freire no mesmo texto é realmente demais, meu.

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