Tim Burton nas Trevas

 

É melhor produzir (um filme, um livro, uma pintura, o que seja) na juventude ou esperar pela maturidade, por uma boa ideia, uma técnica melhor? Orson Welles não esperou; fez sua obra-prima aos vinte e seis anos. Já Sergio Leone só foi ter liberdade perto dos quarenta. Takashi Miike chegou a fazer oito filmes em um único ano. Nem todos bons, mas trata-se de um diretor com experiência em todo gênero imaginável, do terror ao musical. Terrence Malick, por outro lado, dirigiu, desde 1969, cinco longas celebradíssimos. É melhor, portanto, ser ativo e prolífico ou esperar e conquistar alguns poucos títulos de peso? Toda produção é um exercício, uma tentativa de concretizar algo que antes só existia de forma delicada em ideias, sonhos ou mesmo pesadelos. Às vezes, a tentativa é tão bem-sucedida que, como uma criança prodígio, surpreende aos próprios pais. Às vezes, não. Importa, talvez, a máxima de Samuel Beckett, “Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.

Aos cinquenta e quatro anos, Tim Burton tem quinze longas e, como alguns atores que envelhecem e se tornam caricaturas de si mesmos, continua a repetir os maneirismos do início da carreira, mas sem o mesmo frescor. Fato é que o diretor tornou a si mesmo uma piada – que, como um parente bêbado em uma festa, não consegue parar de contar porque não percebe que não tem mais graça para ninguém além dele mesmo. Alguns autores vão além das próprias preferências estilísticas, sem nunca escapar plenamente delas, para tratar de algo mais. Wes Anderson, por exemplo, possui um visual específico presente em todos os seus filmes, mas trata seus ingredientes favoritos (certos atores, certas músicas) como ferramentas e não como finalidades neles mesmos. Há muito tempo que uma obra de Tim Burton não tem objetivo além de apresentar um Johnny Depp com cara de desenho animado. Para que o diretor tente novamente e sem tanta certeza de fracasso, seria necessário afastá-lo de qualquer kit de maquiagem ou departamento de perucas.

Sombras da Noite (Dark Shadows), a última peruca de Johnny Depp, é uma adaptação de um seriado de televisão. O filme conta a história de um vampiro que, trancafiado em um caixão por duzentos anos, é libertado na década de setenta. Da situação surge todo tipo de estranhamento, da forma pomposa e anacrônica com que o vampiro fala até a aparente feitiçaria por trás de um simples aparelho de televisão. Se você viu o trailer, já pegou 75% das piadas. E ouvir a mesma piada novamente – assim como assistir o mesmo filme, ver o mesmo ator fantasiado – não tem graça. Exercitando a paciência, Sombras da Noite até pode ser agradável aqui e ali, mas é, no final das contas, insignificante. O antes promissor diretor de Edward Mãos de Tesoura, uma fábula moderna, e Ed Wood, uma declaração sincera de amor pelo cinema e pelo estranho, encontra-se nas trevas da criatividade. Talvez fosse bom tirar umas férias – mas temo que ele ficaria como um Sweeney Todd na praia, também acompanhado de Helena Bonham Carter, mergulhado no próprio universo sombrio e sentindo um desdém irreconciliável pela luz do sol.

Há, contudo, alguns pontos mais claros perdidos na escuridão da mesmice. Tal claridade se concentra, basicamente, em parte do elenco feminino: Eva Green, Michelle Pfeiffer e Chloë Grace Moretz. É preciso, infelizmente, se satisfazer com o pouco desenvolvimento de suas personagens. Suas performances breves, mas tão vivas e inspiradas, mereciam um tratamento mais digno de roteiro e direção. Especialmente Eva Green, cuja força e presença lembra algo das atrizes das décadas de 30 e 40. Jackie Earle Haley (de Pecados Íntimos e Watchmen) como um mero zelador, é também um uso ingrato de um bom ator. O próprio Johnny Depp, coitado, está dedicado como sempre. Parece que, em determinado momento da vida, resolveu fazer filmes para entreter crianças e como bom sujeito que é (poucos atores se mostraram tão generosos e afáveis na vida pública) encara a missão como a mais nobre e importante de todas. Há também, é claro, aparições obrigatórias de Bonham Carter e Christopher Lee – mas ambos passam quase desapercebidos.

Apesar de um bom começo, os diferentes pontos de vista são adotados e abandonados como roupas velhas, não cumprindo nunca o prometido – a governanta Victoria Winters é a reencarnação do antigo amor de Barnabas (Depp)? Por que ela é assombrada por visões fantasmagóricas da moça? – tornando o desenvolvimento fraco e o final tão previsível que se o percebe meia-hora antes. O grande problema de Burton, nesse estágio de sua carreira, é justamente a previsibilidade. Já sabemos que um filme seu provavelmente tratará do amor além da morte, que trará Depp, Bonham Carter, cenários góticos, etc., etc., etc… Tais elementos não seriam um problema se sua repetição já não os tivesse sugado quase que completamente de significado.

2 comentários em “Tim Burton nas Trevas

  1. Ah, é? Então espere só o 15o filme do Wes Anderson em tons outonais e com um holograma de Bill Murray pra ver o que está falando…

  2. Burton não faz um filme relevante – e até convincente – desde Peixe Grande. Coincidentemente, um filme sem o Depp.
    “Uma piada de si mesmo” foi a melhor definição possível.

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