Há uma semana publicamos aqui no site o artigo do Eduardo Wolf sobre a análise crítica que Roberto Schwarz faz de Machado de Assis. Publicamos agora, para fomentar o debate, uma crítica à crítica de Wolf, escrita por Pedro Gonzaga.
Um bom resgate?
Por Pedro Gonzaga
Qual a melhor maneira de retribuir ao Wolf a dedicatória que me fez em seu ensaio “O Seqüestro de Machado de Assis”, publicado na última Dicta&Contradicta? Levar a sério seu esforço intelectual e criticá-lo, se for o caso, com a mesma seriedade. Um bom debate deve, creio eu (e deve crer o Wolf também), permitir que esclarecimentos adicionais a uma determinada tese sejam apresentados quando necessário. Penso que esse seja o caso de alguns passos do argumento de seu artigo sobre Um mestre na periferia do capitalismo: ou não funcionam corretamente, ou necessitam de maiores explicações para que funcionem.
Com isso em mente, espero contribuir para os debates que este site vem promovendo levantando três elementos que considero ao menos potencialmente problemáticos no referido artigo: um mais geral, outros dois que descem a detalhes mais específicos. Os leitores da revista, por certo, podem trazer os seus questionamentos.
A primeira questão que gostaria de propor, de caráter mais geral, diz respeito ao que considero senão o foco da crítica de Wolf a Roberto Schwarz, no mínimo o argumento que é mais ressaltado em seu texto, qual seja, a acusação de que tanto na motivação quanto no procedimento, a análise de Schwarz é ideologicamente viciada. “O seqüestro de Machado de Assis” se organiza em torno dessa denúncia principal, e, até onde posso
julgar, realiza uma análise textual forte e sólida do trabalho de Schwarz, de tal modo que parece demonstrar que assim o seja. Contudo, não é de todo um despropósito questionar o autor do ensaio: qual exercício crítico não o é? Dizendo de outro modo, estaria o autor do ensaio sugerindo que apenas ele – ou ele e alguns mais – não se movem no terreno da ideologia? Não estou aqui sugerindo uma posição pós-moderna, que tende a ver em toda e qualquer manifestação humana a marca da ideologia e, moto-contínuo, desmerecendo-as todas; mesmo assim, é razoável afirmar que a argumentação de Wolf não dá conta da difícil e truncada relação que sempre existe entre qualquer esforço intelectual (seja da obra literária, seja da análise dos críticos) e as construções ideológicas que por vezes operam até mesmo de maneira inconsciente em todos nós.
A segunda e a terceira objeções referem-se a passagens mais específicas de sua análise e são semelhantes. Na seção 2 de seu ensaio, intitulada “As quatro faltas do crítico”, mais especificamente na sub-seção 2.1 (“A falta lógico-expositiva: ideologia e circularidade”), Wolf contesta a análise de Roberto Schwarz segundo a qual a prosa das Memórias Póstumas reproduzem de maneira estilizada os dilemas da vida social brasileira da época, e o faz contra-argumentando que caberia a Schwarz explicar porque encontramos os mesmos resultados estilísticos nos contos de Machado, em suas crônicas, ou mesmo nos romances narrados em 3ª pessoa, como Quincas Borba e Memorial de Aires. Ora, não caberia aqui objetar que é central para o argumento de Roberto Schwarz, em primeiro lugar, a tese de que é nos romances – e não nas demais formas narrativas – que sua tese faz alvo? E mais: a tese do autor de Ao vencedor as batatas não está focada nos narradores em 1ª pessoa, sendo portanto indevido o passo de Wolf de recorrer aos contos, crônicas e narradores em 3ª pessoa? Isso para não dizer que caberia a Wolf mostrar que os resultados estilísticos são, de fato, os mesmos, nas demais obras referidas.
Por fim, um último questionamento. Na mesma seção mencionada acima, ao criticar a tese de Schwarz de que a erudição e até mesmo a prosa de Brás Cubas é uma maneira velada de criticar a impostura intelectual das elites, Wolf recorre às próprias leituras de Machado, às admirações intelectuais e artísticas do homem Machado de Assis. De que modo estaria o autor do artigo autorizado a passar de uma consideração das obras de Machado para uma análise do homem Machado? Afinal, a tese de Schwarz parece se ater ao primeiro caso, e não ao segundo – certa ou errada.
Tais objeções, se pertinentes, deixam o ataque de Wolf à análise de Roberto Schwarz sensivelmente debilitado, comprometendo o que seria o seu “resgate”. Seja como for, a simples oportunidade de que esse debate seja feito já é, por si, um mérito.
Pedro Gonzaga é tradutor e escritor, autor de Cidade Fechada (Editora Leitura XXI) e Dois Andares: Acima! (Editora Novo Século).
As contra-argumentações do sr. Pedro Gonzaga são questionáveis, principalmente os pontos I e III.
I) […] “qual exercício crítico não o é (ideologicamente viciada)?” Ora, está mais do que claro que, já há vários anos, neste país, não se faz outra coisa que não analisar uma obra, seja ela qual for, do ponto de vista ideológico pró-esquerdista. Negar isso é negar a realidade (aliás, uma atitude bastante esquedista, diga-se).
III) Como separar as ideias do homem Machado de Assis das ideias do autor Machado de Assis? Isso, sim, é impossível. O que é a atividade literária se não a exposição de conceitos pessoais, embalados na forma de personagens, cenários e situações?
“Acusação” de que o texto de Schwarz é ideologicamente viciado?
Deus meu! Por mais que se utilizem belas palavras para distorcer a realidade, ela continua ali, sem que o falante possa desfazê-la.
O texto de encomenda não é só ideologicamente viciado, é crimilogicamente viciado.
O seqüestro aí é do caráter mesmo de críticos quetais.
Crítica da crítica da crítica… Sorry, mas isso é descer muito de nível. Passo.
É a verdade exata. Elevadíssimo fica o nível do debate quando se faz a crítica da crítica da crítica da crítica…
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