Esta foi uma semana de eventos interessantes: além da morte de J.G. Ballard (nunca dei bola para a obra dele, mas David Cronenberg fez um belo filme com seu mediano Crash (1998) e Theodore Dalrymple escreveu um excelente obituário que serve como introdução aos seus livros) e do aparecimento de Susan Boyle (na verdade, uma voz um pouco melhor do que o habitual e a prova definitiva que estamos a viver naquilo que Ortega y Gasset chamava de a ascensão do homem-massa), tivemos a resolução do maior mistério da Internet dos últimos dez anos. Finalmente, soubemos quem é Spengler.
Vocês devem se lembrar que já recomendei Spengler aos leitores da Dicta. Foi uma dica do poeta e tradutor Nelson Ascher, meu oráculo para política internacional. Ao ler os artigos anteriores de Spengler queria saber quem era o homem. Rumores na blogsfera diziam que ele era um ex-assessor de Lyndon LaRouche, que tinha trabalhado no governo Reagan, que era um aficionado pela obra filosófica de Franz Rosenzweig, que tinha sido um empresário de sucesso em Wall Street e que o motivo de seu “pseudônimo” (uma paródia ao autor de O Declínio do Ocidente) era porque ele tinha se convertido definitivamente ao judaísmo e que sabia que a única solução para a crise do mundo contemporâneo era a união entre a Sinagoga e a Igreja.
Bem, os rumores estavam certos. Foi divulgado que Spengler é, de fato, David P. Goldman, que admitiu ser tudo aquilo sobre o qual falaram, menos o de ter sido assessor de Lyndon LaRouche (e convenhamos que muito do que Spengler escreve vai contra os princípios ocultos de LaRouche, um anti-semita enrustido). O interessante é a razão de seu “desmascaramento”. A convite de Joseph Bottum, editor-chefe da First Things depois da morte de seu fundador, Richard John Neuhaus, Goldman tornou-se o editor associado da revista, ocupando o posto que foi o de Bottum. Qualquer pessoa bem informada sabe o que isso significa: que Spengler – ou David P. Goldman, como agora podemos chamá-lo – saiu de seu modesto púlpito do jornal Asia Times para ser alçado como uma das maiores mentes do pensamento sadio na América. Com sua “promoção”, Goldman fica lado a lado de gigantes como o próprio Bottum (que já está velhinho, com quase 70 anos), Roger Scruton e Roger Kimball.
E que nenhum engraçadinho venha me dizer que só citei pensadores ditos “conservadores”. A prova disso é justamente o artigo de estréia que Goldman escreveu para a First Things – Demographics and Depression. Ele faz uma crítica arrasadora do conservadorismo americano, ao afirmar que a guerra cultural foi perdida porque os políticos conservadores se empolgaram no aumento de riqueza que o governo Reagan teria dado à população norte-americana. E a perda nessa guerra influenciou no fator principal da atual crise supostamente econômica: o de que os americanos não sabem mais o que é uma família e se recusam a formar uma, preferindo viver como casais solteiros ou, pior, disfuncionais. As conseqüências dessa nova visão-de-mundo são simples e atuam no médio e no longo prazo: um país começa a envelhecer rapidamente e não tem mais pessoas jovens para assumirem riscos e desafios, pois escolhem uma vida de aposentadoria precoce e de dependência estatal (e, se você viu semelhanças com a nossa pátria amada, be scared, be really scared). O resultado disso é nada mais nada menos que a pobreza econômica e moral de uma nação.
O artigo é ainda mais perturbador porque, como é de hábito nos escritos de Goldman quando era Spengler, se houver alguma mudança, ela não surgirá de nenhum plano de governo, mas sim de uma atitude existencial do ser humano ao se confrontar com o seu problema básico: o da morte e o da sua sobrevivência para a permanência da raça humana.
E como isso não se dá apenas através dos meios naturais e humanos e sim através de algo que está fora do nosso controle, sinto e lamento em informá-los que, do jeito que as coisas estão, concordo com Goldman-Spengler: um dia a casa cai…
P.S. A First Things anunciou hoje que Spengler terá um blog em sua distinta casa. Começou bem: seu primeiro post é sobre as relações tumultuadas entre a Igreja Cristã e Israel. Ah, sim, isso sim é um assunto importante para ser discutido – não a tal da Susan Boyle. O que me faz pensar o seguinte: Será que toda essa comoção aconteceria se Boyle fosse bonita?
Pingback: I Tell You, My Friends, ‘The Sky Is Falling’ - Apocalipse
Martin, acompanho o blog da Dicta desde o começo e gosto muito dos seus textos! Mas você não está sendo muito ranzinza com a Susan Boyle? Caramba, ela é uma senhora simples mas canta muito! E até o momento não pegou a mania típica dos “artistas” de ficar “filosofando”! Não vejo nada de mal na empatia do público com ela!
Caro Rodrigo:
Mas você não sabia que sou o ranzinza-mor? Veja bem: Susan Boyle canta bem, muito melhor do que os Americans Idols que o sr. Simon julga. Mas se leu o artigo do Spengler em que fiz o link também deve perceber que Boyle é nada perto de jovens prodígios da música que treinam muito mais e ainda estão no anonimato. O “triunfo” de Boyle é um sinal de nossos tempos de Kali-Yuga (ah, René Guénon, como tu não serves para nada!), de rebelião das massas – enfim, da nossa incrível tendência de nos emocionar com o que seria “popular” simplesmente porque nós também acreditamos fazer parte do “povo”. É um puro caso de sorte, nada mais nada menos. Ou, como diria Paulo Francis (meu modelo de rabugice), Susan Boyle será mais uma que desponta para o anonimato.
Um abraço
Martim
Apoio total ao Rodrigo!
Nada de ridicularizar a Susan Boyle!
Obrigado Joel, obrigado!
Numa rápida pesquisa que fiz pelo Spengler/Goldman tudo o que encontrei foram mensagens de ódio extremo ao bem citado colunista.
Er, não. Susan Boyle é somente a manipulação da vontade que as pessoas têm de ver o “underdog” vencer. O programa é OBVIAMENTE manipulado para que a sua reação seja essa. E o desejo de ver o “underdog” vencer não é uma “mediocrização” do talento – você e o autor do artigo parecem fingir não perceber que ela é adorada por ser feia em um mundo em que cantoras podem até cantar mal, mas precisam não ter pneuzinho e nem serem velhas ou feias. E somente alguém que nada entende de canto diria que ela não tem talento. Ela canta bem, sim. E obviamente é treinada.
A vontade de opinar sobre tudo o que acontece ao redor achando que é uma prova de idéias já previamente aprovadas é um dos erros mais primários dos intelectuais, aliás.
E há algo de mal em desejar ver o “underdog” vencer? Parece-me uma atitude digna de bons corações e não tem necessariamente conexão com a mediocridade.
Bem, em 2007 houve o fenômeno Paul Pot:
http://www.youtube.com/watch?v=iPOjA-zqXJM
E acho que hoje, pouca gente se lembra dele…
Não que eu inveje a ranhetice do Martim, mas parece que a discussão está um tanto despropositada. A menção a Susan Boyle foi feita apenas de passagem, como exemplo, sinal (termo que ele mesmo emprega na resposta a um dos comentários), da ascensão do homem-massa. A senhora está na mídia e suscita simpatias e antipatias. Seja como for, o assunto central do post não é a cantora. Aliás, o post não é nem sobre música. Talvez ele tenha se excedido um pouco ao dizer que a mulher é a prova definitiva…, mas esse tom arrebatado já faz parte de seu estilo.
William, eu não censurei o texto do Martim! Só dei a minha opinião! Que aliás continua a mesma! Como já disse, eu gosto dos textos dele!
Po!! Eta discussão besta sobre Susan Boyle! O Martim usou ela apenas como exemplo para indicar algo mais sério que está ocorrendo right now: a “ascensão do homem-massa”. Joel e Rodrigo: parem de assistir TV e comecem a ler Ortega y Gasset.
Pretzel, larga de fazer esse tipinho de intelectual! Quantos anos você tem!
Pretzel, para de fazer esse tipinho de intelectual! Quantos anos você tem?
O “Comentário por Anônimo — 25 de abril de 2009 @ 1:33 am” fui eu que mandei sem querer antes de preencher os dados! Por isso mandei outro logo em seguida com o meu nome”
Só uma pergunta: por acaso eu deveria saber quem é Susan Boyle?
Não fará mal nenhum, e talvez algum bem, se você procurar por ela no youtube e ver o vídeo (tem uns 7 minutos).
Já que virou tópico, meet Susan Boyle: http://www.youtube.com/watch?v=lBTVdnWj1hM&feature=PlayList&p=4543A42C7E564EE9&index=0&playnext=1
Devo dizer que recebi de uma amiga o endereço, na terça passada? E enquanto estamos nisto, parece que o Paul Potts continua vivo e ativo, apresentando-se por aí.
De minha parte, acho que ninguém aqui sabe o que é o homem-massa, ou sequer leu Ortega y Gassett (o Joel disse uma vez que o pai dele o aconselha a ter cuidado com quem lê Ortega y Gassett, aliás).
O homem-massa é um especialista, pois não?
Quem conta um conto, aumenta um ponto…
Já que uma suspeita a mais ou a menos é indiferente em casos crônicos, passo a palavra a Ortega y Gasset, chutando o balde que apanha texto e contexto: “Nótese que lo decisivo en la historia de un pueblo es el hombre medio. De lo que él sea depende el tono del cuerpo nacional.” Não se trata de negar a relevância e o caráter imprescindível dos “individuos egregios”, mas “lo importante es que el nivel medio [moral, de valores e também, é claro, de sentimentos] sea lo más elevado posible. Y lo que hace magníficos a los pueblos no es primariamente sus grandes hombres, sino la altura de los innumerables mediocres(…) la realidad en historia es precisamente lo cotidiano”, no qual O&G entende que a mulher intervém de maneira decisiva. Excerto de um dos “Estudios sobre el Amor”, ed. Espasa-Calpe, Buenos Aires, primeira edição em 1939; nada contra bibliotecas em geral, públicas ou avoengas).
Lendo os comentários, fiquei com uma dúvida:
“A manipulação da vontade que as pessoas têm de ver o “underdog” vencer” não seria uma prova de uma idéia pré-aprovada?
De qualquer modo, acho que todos devem ter opinião sobre o máximo de coisas possível, até sobre o modo como os nematelmintos se alimentam.
Além do mais, ter opiniões acerca de tudo é uma grande forma de se exercitar a humildade.
Não entendi duas coisas.
A primeira é de onde Joel tira tanta “coragem” (peço desculpas, não sei ser irônico)…
A segunda é o que se passa com Ricardo para citar uma passagem quando discutimos precisamente o conceito de homem-massa.
Hmmm, eu tinha dito uma passagem « um dos “Estudios sobre el Amor” » (entre sinais de maior > e menor < e o pedaço foi comido).
Enfim, o homem-massa enquanto especialista está lá na “Rebelião das Massas”, aquele conjunto de artigos. (-:
Salve, Adriano. Sem pretensões, porque mal cumprimentei o OG e apenas calha de estarem os tais Estudos, e não a “Rebelião das Massas”, numa das estantes aqui em casa. Claro que homem médio não é necessariamente homem-massa. Quis recordar a diferença, brincando um pouco em cima dessa passagem do MVC, por sua vez claramente jocosa, a respeito da “prova definitiva”, etc, e suas derivadas nas mensagens. Concordo em termos gerais com o trecho que copiei do OG; e entendo que “trivia” midiáticas e alusões a elas não são invariavelmente sinal de barbárie ou indigência mental. Fazem parte do nosso quotidiano, de modo inofensivo como figurinhas trocadas por crianças de uma certa idade (noutra época, acho). Questão de escolha se esta ou aquela vai interessar x ou y; o que não convém é interferir no tempo necessário, sei lá, ao estudo da álgebra. Quanto ao que não é o homem-massa, alguém aí poderá corrigir, mas achei interessante o seguinte post: http://mtparnaso.blogspot.com/2006/10/memria-de-ortega-y-gasset.html
Entre os dois feios, apenas o talento de Paul Pott impressiona.
A outra já é forçação de barra.
O artigo linkado pelo MVC é muito pertinente.