Esta é a proposta de Carlin Romano, o mesmo que escreveu o ensaio denunciando as intenções nazistas na filosofia de Martin Heidegger e todo mundo aqui ficou alvoroçado.
Segundo ele, jornalismo e filosofia têm uma coisa em comum: a busca pela verdade.
Será? Bem, pelo menos, era isso que tentaram me ensinar na faculdade. Mas, como diria o bardo fanho, reality has always too many heads – e confesso a vocês que, quando trabalhei em redações, ficava tentado a me perguntar como Pilatos: O que é a dita-cuja?
O artigo de Romano é bem fraquinho – e por um único motivo: esquece-se do ponto principal. E qual é? Quem matou o problema foram Max Weber e Ortega y Gasset em seus respectivos Ciência e Política e Missão da Universidade.
O primeiro argumenta a respeito da formação superficial de qualquer jornalista – isso já na primeira década do século XX. Para Weber, o jornalismo ocupa-se de superficialidades, de argumentos pouco desenvolvidos e de opiniões – a chamada doxa de Platão – que sequer conseguem captar o fundo subterrâneo da realidade. Por isso o amor fanático por explicações precisas, por ideologias certinhas, por visões de mundo que tentam aprisionar o mistério da existência em um papel de quinta categoria.
Já Ortega vai além. Fala da presunção dos jornalistas. Por mexer com aquilo que a sociedade lida em uma primeira impressão – e, lembrem-se, a primeira impressão é a que fica – a classe jornalística se arvora como uma espécie de elite espiritual, um pseudo-clero que acredita piamente que mexe com a vida das pessoas. E mexe – geralmente, para pior.
Romano não toca em nenhum desses pontos – fica enrolando o leitor e parece até um jornalista em causa própria quando defende um curso de “filosofia do jornalismo” (detalhe: ele dá aulas sobre isso na Universidade da Pennsilvânia, o que mostra que um jabaculê é sempre um jabaculê).
Da minha parte, o que acho que o jornalismo precisa não é de uma filosofia. O que precisa é ter vergonha na cara e começar a fazer a única coisa que deve ser feita: ir contra todo e qualquer abuso sistemático de poder. Se não for isso, como diria Millôr Fernandes, é nada mais nada menos do que um armazém de secos e molhados.
Mas sem abandonar a busca pela verdade – dentro das limitações. Se não há essa intenção de fundo, todo o resto se perde. O que não é novidade pra ti…
Bem melhor esse post do que aquele sobre o Heidegger. Inversamente proporcional, pelo que você diz, à qualidade do texto de Romano.
Aliás: no post sobre Heidegger você fez jornalismo no sentido em que Max Weber o qualifica. Aqui, mantidas as mesmas coordenadas, você se revelou um ótimo anti-jornalista.
O bom jornalismo – embora cada vez mais raro, ele ainda existe, e a própria Dicta é prova disso – é coisa muito séria e poderosa, algo a meio caminho entre a ciência e a literatura. Ciência, porque o jornalista é – deveria ser – uma espécie de historiador do seu próprio tempo. Literatura, porque o repórter lida com os mesmos recursos narrativos da ficção e pode servir-se à vontade das possibilidades de expressão da melhor prosa. Euclides da Cunha, Gay Talese, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo e tantos outros mostram que é possível, sim, aliar rigor nos procedimentos e refinamento estético. Mas só se chega a isso depois de uma lição de humildade, que é a aceitação de que a realidade investigada pelo jornalista, por mais banal que seja, é sempre maior que os meios de que o repórter dispõe para retratá-la. É preciso resistir à tentação (e toda tentação fundamenta-se numa ilusão) de tentar aprisionar, em modestas páginas de jornal, “o mistério da existência” a que se refere o Martim. Mas é preciso também resgatar o valor dessa profissão, fazer o jornalista entender que seu ofício, acredite ou não, goste disso ou não, é intelectual, com todas as belezas e responsabilidades próprias dessa vocação.
Como é que se faz isso? Bem… Isso também pertence ao tal mistério da existência. Mas acho que umas paternais chineladas pedagógicas, em casa, podem ajudar a botar vergonha nessas presunçosas carinhas eternamente universitárias.
Realmente um jabaculê é um jabaculê…
Romano como epistemólogo é um excelente crítico e professor acadêmico.
O jornalismo NÃO precisa de uma filosofia, como muito bem diz o autor deste post. O jornalismo precisa, em primeira instância emergencial, é de fazer sua obrigação: tentar buscar a verdade e não se contentar com outras verdades. Dúbias verdades.