Talvez não seja uma boa idéia. Vejamos o caso americano: o estudante normal, pressionado pelas convenções sociais e pela família a cursar uma universidade, paga caro pela decisão. Quem termina o ensino superior (40% cai fora antes) sai dele com uma dívida de dezenas de milhares de dólares; adiou sua entrada no mercado de trabalho e começa no vermelho. É bem plausível que, para a maioria, o investimento não seja rentável financeiramente.
Claro que isso desconsidera os muitos benefícios não-monetários do ensino superior: abrir a mente do estudante a novas idéias, ensiná-lo a aprender por conta própria, torná-lo mais independente e responsável. Mas nos cursos superiores cada vez mais padronizados, voltados ao ensino de técnicas específicas, esses benefícios tornam-se cada vez menores; e ainda assim demandam tempo e investimento muito maiores do que se fossem curtos, intensos e ostensivamente voltados ao treinamento de profissionais. Para o estudante, entrar na universidade, extensão do ensino médio, significa curtir a vida longe da vigilância paterna e da necessidade de se sustentar ou se dedicar seriamente a qualquer coisa que não o prazer. É impossível medir, mas o saldo humano (moral e intelectual) dos dois primeiros anos pode muito bem ser negativo. As Economíadas e tequiladas que o digam! É a entrada no mercado (que em geral se dá no estágio, da metade para o fim do curso; forma de abrandar os custos – em tempo e dinheiro – da graduação) que ensina as virtudes necessárias e inicia o estudante na vida adulta.
No Brasil, é claro, o ensino superior é para poucos, se comparado a EUA e Europa. Mas somos vítimas da mesma obsessão. É só notar como o aumento de vagas é invariavelmente celebrado; e como surgem novas universidades a cada dia, sejam privadas (que cobram caro por um pedaço de papel), ou públicas (que também cobram caro, mas de quem não cursa).
Resta um preconceito cultural e institucional a favor do diploma universitário (que para a empresa é um meio gratuito – caro para o governo e para os pais – de filtrar candidatos). Ainda assim, conforme a idéia de que o terceiro grau não seja necessário, e de que existem métodos mais eficazes de capacitar trabalhadores (ex.: experiência), difunda-se pela mídia, a pressão para universalizar o terceiro grau deve também diminuir. Quem sabe aí a universidade consiga recuperar (se é que algum dia alcançou) seu ideal de formação humana e intelectual universalizante.
A comparação com os EUA é absolutamente indevida, e não se pode tirar dela conclusão alguma. Os americanos atingiram níveis de produtividade que não podem ser comparados com os nossos. Você está certo: o diploma é um meio gratuito para as empresas de filtragem de candidatos a um emprego. Mas só o é porque é crível que as pessoas efetivamente sejam melhor preparadas – e essa credibilidade precisa ser reforçada pela experiência empresarial para se sustentar no tempo. Talvez o tradeoff universidade x mercado de trabalho gere dúvida nos americanos, mas no Brasil a realidade é uma diferença brutal de remuneração. A universidade para todos pode gerar uma diminuição no grau de credibilidade do diploma. Outras formas de diferenciação dos profissionais serão criadas. Não é por isso que se deixará de investir na difusão de conhecimento e experiência acadêmica pela sociedade (inclusive direcionada ao prazer, por que não?). Sobre o “desenvolvimento das virtudes”, eu me limito a perguntar: virtudes de quem, cidadão?
“Não é por isso que se deixará de investir na difusão do conhecimento” – Será que esse investimento tem dado os resultados almejados? O conhecimento tem se difundido melhor?
O que se observa no terceiro grau brasileiro é uma grande expansão com simultânea piora na qualidade. Fora que não se tem nem o capital humano – professores – para dar conta dessa expansão.
Criou-se o mito burocrático de que quatro anos a mais de sala de aula magicamente aumentam a produtividade do jovem. Que o incremento seja positivo, não nego. Mas supera os custos?
Se difundir o conhecimento for a meta, investimentos mais embaixo, no ensino básico, são mais urgentes e necessários, e prometem retornos sociais melhores. Mesmo porque muita gente que entra na universidade (e não falo só das unibozo não, falo por experiência na USP e em faculdades privadas de ponta) tem deficiências de leitura e escrita que carrega consigo do colégio.
Quantas novas USPs serão necessárias para que se constate que o problema não está aí e que a mentira não cola?
…”(…) tem deficiências de leitura e escrita que carregam consigo do colégio.(…)”
Não estais sós, hélas!
O enorme problema da educação (e formação) dos povos é transversal às sociedades ditas modernas.
Sobre isso (e algo mais) se fala aqui:
http://dererummundi.blogspot.com/
Complementando o comentário do Joel, na semana passada ou retrasada saiu uam informação no noticiário a respeito do déficit de doutores no país, fruto da expansão irrefletida do ensino superior público, especialmente federal.
http://educacao.uol.com.br/ultnot/2010/05/05/expansao-de-universidades-amplia-deficit-de-doutores.jhtm
Faltam aproximadamente 10 mil doutores no país. E não se forma um doutor de um dia para outro – ainda são poucos que querem seguir carreira acadêmico, especialmente devido aos baixos valores pagos pelas bolsas.
A conclusão que eu tiro é que a diminuição da qualidade do ensino é inevitável, pois a expansão das universidades não é acompanhada por uma expansão significativana formação de docentes, especialmente doutores.
Veio bem a calhar essa reflexão, sobretudo nesse momento pelo qual estou passando. Era professor – até umas horas atrás – em uma instituição de ensino privada e laica de São Paulo… na minha curta carreira, já passei por universidades públicas e privadas confessionais. Nesta semana, porém, aconteceu, numa sala de aula de 7o semestre de Pedagogia, a “gota d’água” e resolvi encerrar meu contrato aqui…
Passei os últimos dias dizendo essa mesma coisa para alguns colegas e amigos: “será que a universidade é mesmo para todos? Entre o direito à educação e essa ‘obrigatoriedade’ a uma educação de nível superior tem um abismo que – me parece – é intransponível”.
As alunas que cursam Pedagogia nesta instituição têm idade entre 20 e 60 anos. A escolha pelo curso foi motivada, em sua grande maioria, pelas justificativas – perversas – da “facilidade para encontrar um emprego público em escolas municipais e estaduais”, além da de “ser um curso mais fácil”. A história educativa dessas alunas – pode-se dizer – é a história do estudante típico das unibozos que por aí estão: sem emprego adequado; com apenas o ensino fundamental concluído regularmente (quando muito!); com um ensino médio feito em esquema de supletivo; passa, um belo dia, na frente de uma das tantas instituições de ensino superior que – como botecos – se espalham pela cidade, e resolve se inscrever para um vestibular que não separa mais do que o apto do não apto a marcar com um “X” uma entre várias alternativas em uma prova absolutamente medíocre, além de pretender verificar, em 10 (ou no máximo 20) linhas, a capacidade lógica argumentativa (?) do pretenso aluno, em uma redação cujo tema é de se envergonhar (o que se dirá dos textos que redigem!). Com esse quadro, tem-se o pano de fundo do episódio que tive que encarar nesta semana: você se depara com uma aluna que se queixa por não ter sido aprovada num processo seletivo para estagiar – veja bem, “estagiar”! – em uma escola privada de São Paulo; investigando o motivo da não aprovação, você descobre que a aluna, na carta de apresentação que escreveu para a escola, consegue a proeza de grafar as palavras “encino” e “serviso” assim; aí, você pergunta para a aluna quantas vezes ela leu a palavra ensino em sua vida (pelo menos, em 3 anos e meio de curso de Pedagogia, é de se esperar que um boa… centena de vezes, para medir por baixo). Já escutei discursos suficientes sobre a “opressão da gramática”, sobre as relações de poder que se escondem por trás da norma culta etc. Sou mesmo capaz de dizer que escrever “encino” é, dos males, o menor… Porque a gota d’água não foi o “encino”… foi bem outra. Depois desse aperitivo, você entra em sala e se depara com uma algazarra digna de uma feira livre, pede licença, diz bom-dia, se ajeita para dar uma aula (era, nessa instituição, o que o professor eventual é nas escolas públicas: substituía professores que, por algum motivo, se ausentavam ou se atrasavam), tenta um novo bom-dia e nota alguns movimentos que se parecem movimentos de interesse, até descobrir que não, não eram de interesse, mas de indiferença. É hora de tentar uma medida um pouco mais imperativa: “não querem assistir à aula, mas querem ficar aqui para garantir a presença, peço que, pelo menos, se assentem viradas para cá… em sinal de um mínimo de respeito”. Resultado? Caras feias, comentários ofendidos e… uma gritaria que eu nunca havia visto, em toda a minha vida, dentro de uma universidade. Vou resumir toda a ópera apresentando apenas os últimos movimentos, do último ato: “professor, se o senhor quer a nossa atenção, não devia estar dando aula” (O que eu deveria estar fazendo, então? Não souberam responder), “professor, eu tenho uma vida muito cheia – tenho família para cuidar, tenho meu trabalho, saio cedo de casa todos os dias e volto tarde… aqui é o único lugar que eu tenho para bater papo”(ah! então você paga universidade para bater papo, assinar a lista de presença cotidianamente, e pegar seu diploma no final de 4 anos? Novo silêncio), “professor, a gente está quase se formando, não dá para ficar perdendo tempo com aulas, né?” (“Perdendo tempo com aula”? O que vocês esperam desse lugar – além de ser um espaço para bater papo, assinar listas e de quem recebem um papel mágico que lhes abre portas? Novo silêncio), “professor, o dinheiro que eu gasto com a universidade é meu… se eu não estou interessada, é problema meu”… Uma depois da outra, frases grotescas como essas foram sendo regurgitadas daquelas gargantas. O pior de tudo isso foi ver que eu estava vislumbrando, ali, numa sala de aula de ensino superior, um retrato das salas de aula dos ensinos fundamental e médio… sem nenhuma reflexão, sem nenhum espaço para reflexão, sem nenhuma intenção de reflexão, sem nenhum respeito, sem nenhuma crítica ou autocrítica… pura reação, caótica, mecânica (“pago-e-recebo-pelo-que-pago”), histérica, digna de uma descrição dantesca dos círculos infernais. Tentar propor um olhar reflexivo sobre o que me diziam, como metralhadoras ensandecidas, parecia – olhando-me de fora e de longe – com jogar pérolas a porcos.
Essas mulheres, daqui a seis meses, estarão dando aulas para os “nossos” filhos, com um diploma assinado pela coordenação do curso de Pedagogia desta instituição, pelo “reitor”, e com um carimbo do MEC. É a mediocridade fazendo escola!
Não, a universidade não pode ser para todos! Definitivamente… sobretudo se esse “para todos” for um imperativo!
Pingback: Tweets that mention Universidade para todos? | Dicta & Contradicta -- Topsy.com
Paulo, seu comentário é mais eloqüente do que qualquer ensaio teórico.
O comentário do Paulo Pacheco é um testemunho da dura e triste realidade em que vive a Educação deste país.
Paulo, ao ler seu comentário, fui tomado de uma tristeza que quase me levou às lágrimas. É realmente triste defrontarmo-nos com a realidade do ensino superior do nosso país, ainda mais quando sabemos ser esta realidade um reflexo da qualidade dos ensinos fundamental e médio.